Economia de Emergência: transportes a um terço, teletrabalho obrigatório

O decreto que formalizou o Estado de Emergência definiu um conjunto de regras para lidar com a pandemia de covid-19 que vão além das restrições de movimentos e de comércio. As mudanças afectam o teletrabalho, as rendas das lojas e a utilização de transportes.

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Nelson Garrido

O decreto aprovado esta sexta-feira para entrar em vigor a partir das 00h00 de domingo, dia 22 de Março, definiu um conjunto de restrições à circulação dos cidadãos e à actividade económica, na tentativa de travar a propagação de surto pandémico do novo coronavírus. Mas vai mais longe na sua aplicação para cumprir esse objectivo, afectando áreas tão díspares como os transportes, o teletrabalho, a função pública ou as empresas, que podem ser forçadas a voltar a operar depois de uma primeira fase de encerramento.

Em todo o documento é “musculado” o poder dos vários ministros para adoptarem as medidas que venham a ser necessárias, nas áreas que tutelam, para reforçar, nas próximas semanas, o combate à propagação do surto epidemiológico que o país vive, para além daquelas que ficam desde já definidas pelo decreto. Entre todos, há alguns ministros com um papel mais decisivo nesta tarefa, dada a natureza dos sectores que supervisionam.

Transportes limitados e limpos

O decreto-lei que regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República define que o número máximo de passageiros por transporte deve ser reduzido para “um terço do número máximo de lugares disponíveis, por forma a garantir a distância adequada entre os utentes dos transportes”.

O ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, terá ainda de determinar a “obrigatoriedade de, em relação a todos os meios de transporte, os operadores de serviços de transporte de passageiros realizarem a limpeza dos veículos de transporte, de acordo com as recomendações estabelecidas pelo Ministério da Saúde”.

E ficará ainda com a competência de definir os termos em que deve ocorrer o “transporte de mercadorias em todo o território nacional, a fim de garantir o respectivo fornecimento”.

Teletrabalho obrigatório

O documento que enquadra legalmente o Estado de Emergência redefine mais uma vez o teletrabalho, depois de uma primeira alteração – no âmbito das primeiras medidas tomadas no início da actual crise – que dava aos trabalhadores e às empresas a possibilidade de decidirem unilateralmente o recurso a esta forma de trabalho, sem necessidade de acordo entre as partes.

Agora, passa a ser “obrigatória a adopção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam”.

Uma alteração que pressiona a utilização desta solução laboral para manter as empresas a funcionar numa fase de fortes restrições de movimentos, mas que continua a manter este regime com alguma margem de aplicação, dada a dificuldade de uma fatia alargada do tecido empresarial em poder recorrer a esta solução, mantendo níveis de produtividade e eficiência.

Por outro lado, este reforço colocará maior pressão na solução que o Governo criou para permitir a um dos progenitores acompanhar os filhos que não podem frequentar as escolas que se encontram fechadas. Isto porque, as condições do apoio que garante dois terços da remuneração dos pais nesta circunstância prevêem que, se um dos progenitores estiver em teletrabalho, o outro não pode recorrer ao apoio criado no arranque da crise. E as fraudes podem valer 12.500 euros.

Rendas comerciais protegidas

No capítulo acerca dos efeitos sobre contratos de arrendamento e outras formas de exploração de imóveis, é criada uma salvaguarda para as lojas e estabelecimentos comerciais que sejam afectados pelo encerramento compulsivo e que tenham contratos de arrendamento a expirar.

O decreto determina que “o encerramento de instalações e estabelecimentos ao abrigo do presente decreto não pode ser invocado como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis”.

Adicionalmente, o fecho dos comércios previsto no âmbito do Estado de Emergência, também não pode ser dado como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis em que os mesmos se encontrem instalados”.

Esta solução destinada aos arrendamentos comerciais surge no mesmo dia em que o conselho de ministro aprovou uma “proposta de lei, a submeter à apreciação da Assembleia da República, que estabelece um regime excepcional e temporário de contagem dos prazos dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais”.

Empresas podem reabrir

Entre o conjunto de poderes reforçados com que fica o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, encontra-se um que sugere uma alteração do quadro de encerramentos definido no decreto-lei.

Assim, para além deste novo quadro legal “permitir a abertura de algumas instalações ou estabelecimentos” que tenham sido encerradas devido ao Estado de Emergência, o ministro da Economia pode “permitir o exercício de outras actividades de comércio a retalho ou de prestação de serviços, incluindo a restauração, para além das” que ficam desde autorizadas a funcionar, desde “que venham a revelar-se essenciais com o evoluir da presente conjuntura”.

Esta janela jurídica permite ao Governo actuar num cenário de uma crise prolongada, em que seja necessário restabelecer alguma actividade económica para tentar limitas os danos que a actual pandemia já está a ter no tecido empresarial do país. Uma possibilidade que foi já sugerida pelo próprio primeiro-ministro, António Costa, em algumas das intervenções pública que já fez desde o início da crise.

Maior mobilidade na função pública

Com o encerramento da generalidade dos serviços públicos, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, fica com o poder de determinar “o funcionamento de serviços públicos considerados essenciais”. No entanto, perante as recomendações das autoridades de saúde pública, terá como prioridade “a definição de orientações sobre teletrabalho, designadamente sobre as situações que impõem a presença dos trabalhadores da Administração Pública nos seus locais de trabalho, bem como sobre a compatibilidade das funções com o teletrabalho”.

Por outro lado, o decreto-lei especifica que “aos trabalhadores da Administração Pública pode ser imposto o exercício de funções em local diferente do habitual, em entidade diversa ou em condições e horários de trabalho diferentes”, reforçando o processo de mobilidade dos trabalhadores do Estado numa altura de circunstâncias extraordinárias.

Aliás, outro dos pontos assegurados neste novo quadro legal passa pela “definição de orientações relativas à constituição e manutenção de situações de mobilidade”.

Licenças e autorizações

O decreto-lei define ainda que “no decurso da vigência do presente decreto, as licenças, autorizações ou outro tipo de actos administrativos, mantêm-se válidos independentemente do decurso do respectivo prazo”. Um enquadramento que reforça a primeira medida deste teor que havia sido aprovada no conjunto inicial de iniciativas legislativas concretizadas para lidar com as características da actual crise de saúde pública que o país atravessa.

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