Das aulas virtuais de Xangai aos piqueniques online em Caracas: a vida passou para a Internet

O isolamento de todo o mundo levou a socialização para a Internet. Desde as aulas virtuais a Xangai e Milão, às consultas online nos Estados Unidos. Deu mais tempo às famílias para estarem juntas — mas reforçou os desejos de sair de casa. E impôs uma pergunta: qual a primeira coisa que vais fazer quando tudo voltar ao normal?

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Por todo o mundo, milhões de pessoas estão a habituar-se à vida em isolamento. Vivem confinadas a quatro paredes ou à vizinhança há semanas, na tentativa de combater o surto de coronavírus.

Esta nova forma de vida traz enormes desafios. Ensinar, trabalhar e socializar passaram, mais do que nunca, a ser feitos online. O isolamento também levou algumas pessoas a repensar as suas vidas e o que é mais importante, ao mesmo tempo que trouxe entendimentos inesperados e momentos de solidariedade entre famílias.

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Sha Jie assiste a uma aula online. Reuters/Aly Song

Sha Jie, um estudante de dez anos, está a ter aulas online. Sentado na mesa da cozinha do apartamento de 70 metros quadrados, em Xangai, na China, onde vive com os pais e avó, prepara-se para mais uma aula de chinês, que vai chegar a partir do ecrã da televisão.

“Saio de casa, no máximo, uma vez por dia. Só para passear pela vizinhança. Os meus pais disseram-me para usar máscara caso fosse lá fora e para lavar bem as mãos quando voltasse para casa”, diz à Reuters. “Estudo, desenho, vejo filmes… e construo modelos. Até fiz um modelo de carro programável com Lego”, continua.

Quando lhe perguntam o que mais quer fazer quando a vida voltar ao normal, a resposta é: “Sair com os meus amigos e jogar na Toys ‘R’ Us.”

A milhares de quilómetros de distância, em Milão, Lavinia Tomassini, italiana de 14 anos, também tenta estudar em casa. “Acordo e deito-me muito mais tarde do que o costume. Concentro-me pouco em casa — na escola estou muito mais focada, tenho menos distracções.”

Lavinia Tomassini usa o iPad para participar numa aula de francês online. Reuters/Guglielmo Mangiapane
Komaki Yamashita, 49, e a filha Konoha, 9, fazem uma aula online do bailarino japonêsTakujiro Hanayagi. Reuters/Issei Kato
Stephen Wong e a filha Amanda participam numa missa online na sua casa, em Hong Kong. Reuters/Tyrone Siu
Corrando Tomassini e Rosanna Maserati trabalham a partir de casa, depois das ordens das autoridades italianas. Reuters/Guglielmo Mangiapane
Kim Myung-hae, professora de 46 anos, pratica uma dança enquanto assiste um vídeo da banda sul-coreana BTS. Reuters/Kim Kyung Hoon
Jo Proudlove, 48, trabalha a partir de casa, em Londres. Está em isolamento com a filha Eve. Reuters/Toby Melville
Marina Brebion, professora francesa, ajuda os quatro filhos com os trabalhos de casa. Reuters/Stephane Mahe
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Lavinia Tomassini usa o iPad para participar numa aula de francês online. Reuters/Guglielmo Mangiapane

“Espero que isto acabe… Estou a ter muitas dificuldades em estudar assim. E também quero poder voltar a sair normalmente, sem medo de apanhar uma doença.”

Nos Estados Unidos, tal como em outros países que sofrem com o vírus, o médico William Jason Sulaka aprendeu a realizar consultas online, num momento em que não pode encontrar-se com os pacientes pessoalmente.

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William Jason Sulaka assiste a uma sessão online sobre como dar consultas virtuais. Reuters/Emily Elconin

“Preferia ver um paciente no escritório… Gosto mais de visitas reais do que virtuais”, afirma. Mas o médico de 40 anos, de West Bloomfield, no Michigan, tem permanecido em casa, com a esposa e os filhos, tanto quanto possível. “Sinto falta da liberdade de sair e de não ter de me preocupar com a pessoa que está ao meu lado.”

Lisa Elconin, também de West Bloomfield, está igualmente a dar consultas online e a receber dez vezes mais contactos de pacientes.

Mas o encerramento dos locais de trabalho tem dado às famílias tempo como nunca antes tiveram.

Dino Lin, um fabricante de peças de automóveis, foi sortudo o suficiente em mudar-se, com a família, para um apartamento mais espaçoso em Xangai, antes de o vírus ter tomado conta da China. Agora, a filha de cinco anos, Wowo Lin, tem o seu próprio quarto.

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Dino Lin, Stella Zhang e Wowo Lin fazem uma aula de fitness online. Usam garrafas de água como pesos. Reuters/Aly Song

“Temos ficado em casa. Não somos obrigados a fazê-lo, mas acreditamos que esta é a melhor forma de manter a nossa família longe da infecção. Ocasionalmente saio para ir comprar mantimentos e comida. A minha esposa e filha não vão além da porta de entrada.”

Antes do surto, Lin deslocava-se semanalmente de Xangai para a cidade no centro da China onde trabalhava. “Agora, finalmente, tenho tempo para passar com a minha esposa e a minha filha. Os dois ajudamos a nossa filha a construir o seu plano diário, que inclui inglês, matemática, aula de violoncelo, ler e também a sua actividade favorita, ver desenhos animados.”

“Quando a vida voltar ao normal, acho que a primeira coisa que vou fazer é uma grande refeição num bom restaurante. O desejo da minha filha é, definitivamente, encontrar-se com os amigos para brincar.”

Os músicos da banda chinesa The 2econd não se puderam encontrar durante semanas, mas agora têm conseguido juntar-se para dar concertos online para os fãs. “Nunca pensei que fosse ficar cerca de dois meses sem ver os meus colegas de banda. Como membros da geração do filho único, não temos irmãos. Somos os melhores amigos. Partilhamos tudo na vida, alegrias e tristezas. Estou habituado a encontrar-me com eles todos os fins-de-semana para uma bebida ou para conversar. Algo pareceu errado quando tivemos que parar de o fazer”, refere o cantor de 30 anos Zhang Cheng.

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A banda chinesa The 2econd dá um concerto online. Reuters/Thomas Peter

“Vejo este período como uma espada de duas pontas. Apesar de alguns concertos terem sido adiados, temos agora mais tempo para relaxar, reflectir sobre o nosso trabalho e torná-lo mais maduro.”

Thomas Law Kwok Fai, um padre católico de 70 anos de Hong Kong, também se virou para a Internet, depois de a diocese ter suspendido temporariamente a presença de massas nas igrejas.

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O padre Thomas Law Kwok Fai dá uma missa online. Reuters/Tyrone Siu

“Foi uma decisão dolorosa. Ainda assim, foi uma decisão de fé. Deus deu-nos o poder de fazer sacrifícios — que se tornam numa decisão de amor.”

Em vez de transmitir online, a professora de dança Alessia Mauri, de 34 anos, que vive em Milão, está a gravar as aulas para que os alunos possam ver e treinar em casa.

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Alessa Mauri grava uma aula de dança para enviar aos seus alunos. Reuters/Guglielmo Mangiapane

“Achei interessante dar-lhes algumas aulas específicas, ao contrário das aulas abertas que tenho visto por todo o Instagram. Acho muito mais construtivo que as minhas alunas tenham um vídeo de uma professora que lhes dá uma aula dedicada, que elas podem assistir em casa e continuar a treinar.”

Em Caracas, capital da Venezuela, Ana Pereira vive sozinha com o seu cão e gato. A mulher de 51 anos senta-se em frente ao computador para fazer um piquenique virtual com os seus amigos, uma vez que agora não o podem fazer pessoalmente — como faziam semanalmente desde 2011.

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Ana Pereira faz um piquenique virtual com os amigos. Reuters/Manaure Quintero

É um substituto fraco. “Preciso de contacto físico, tenho muitas saudades deles”, diz. Por isso, quando tudo voltar ao normal, já sabe o que quer: “Um abraço.”