Não se enganem, em Inglaterra as escolas continuam abertas
A escola é o refúgio da pobreza, é a certeza de uma voz amiga, de um estômago quente e cheio, alguém que nos ouça, alguém que não nos bata, alguém que nos proteja, outro adulto, outros pais, os pais e as mães que nunca tiveram, nunca terão.
Porquê fechar escolas? Para minimizar o contacto social e assim diminuir a propagação do novo coronavírus. É simples. Porque os professores estão assustados. Assustados e, aos poucos e poucos, doentes, depauperando os corpos docentes das escolas ao ponto de já não ser possível garantir a qualidade do ensino e/ou o bem-estar dos alunos. Os alunos, expectantes, testemunham um tempo que, estou certo, não quererão repetir nas suas vidas. Mas, quem sabe?
Entretanto, continuam a ir à escola, dia após dia, para muitos o único lar, para muitos mais o único garante de uma refeição, a única do dia inteiro, onde dar vales de desconto nos supermercados e pensos higiénicos é a melhor prenda para uma aluna, a mesma aluna que não sabe como agradecer e nós sem sabermos o que fazer quando os vales e os pensos acabarem.
A escola é o refúgio da pobreza, é a certeza de uma voz amiga, de um estômago quente e cheio, alguém que nos ouça, alguém que não nos bata, alguém que nos proteja, outro adulto, outros pais, os pais e as mães que nunca tiveram, nunca terão.
Por isto, não se enganem, as escolas em Inglaterra vão continuar abertas, se não todas, a grande maioria, independentemente da pompa e circunstância do primeiro-ministro Johnson ao anunciar, na quarta-feira o encerramento das escolas a partir do final da semana. Excepto para as escolas com alunos em risco e/ou com alunos cujos pais desempenham funções de base nestes tempos difíceis, de médicos a enfermeiros, de polícias a distribuidores de bens alimentares, só para citar alguns exemplos.
Ora, serão poucas as escolas em Inglaterra onde não haja um aluno em risco e mais não é preciso dizer. Conclusão: com vírus ou sem vírus, segunda-feira estaremos abertos como se nada fosse. E de nada seria não fosse o facto de já ter perdido a conta às direcções escolares cujas condições de saúde (da gravidez à asma) nos colocam no grupo de risco em caso de infecção pelo coronavírus, obrigados a permanecer 12 semanas em casa e até para o ano e boa sorte.
As escolas estão assim nas mãos dos professores e se calhar nunca de lá deviam ter saído. De caminho já se fala em manter as escolas abertas ao longo das férias da Páscoa. Levanta-se assim a questão se o vírus é mais perigoso do que a vida de cada uma destas crianças fora da escola. A minha resposta é simples: o vírus é mais perigoso, caso contrário não estaríamos a ter esta conversa.
Lembram-se de vos falar da imunidade de grupo? Na segunda-feira, o governo britânico foi célere a desmentir ser esta a sua intenção. E por aqui se ficaram. Não deram alternativas e não voltaram a falar do assunto. De caminho, a sociedade continua a trabalhar, como se nada fosse, como se não vivêssemos sob a ameaça constante de um inimigo invisível e mortífero.
Os médicos nos hospitais? Se doentes, não têm autorização para serem testados. Têm de ir para casa, como qualquer pessoa tem de ir para casa durante 14 dias em caso de tosse seca persistente ou febre. Só é testado quem acaba internado num hospital. Todos os outros, ergo a população em geral, recebem ordens expressas para ficar em casa e por sua conta encontrar a cura que ainda ninguém conseguiu encontrar. Os mais fortes sobreviverão.
Porquê? Porque não há nem dinheiro nem camas suficientes nos hospitais, fruto de anos e anos de austeridade e desinvestimento público. É simples.
No fim, estamos entregues a nós mesmos. Foi sempre assim. Foi por isso que um dia decidimos fazer-nos ao mar e ao ar e deixar o nosso país: estávamos entregues a nós mesmos e ninguém nos podia, ou queria, valer.
E como doentes não servimos para nada, fazemos das tripas coração para podermos continuar a trabalhar. Até chegar a nossa vez. É uma questão de tempo. Mas não há problema, tudo isto passará, as guerras também passaram e um dia os ingleses voltarão a ver a luz do dia. Nesse dia, quando essa manhã de sol chegar, erguerão estátuas e cantarão hinos para de seguida continuar alegremente com as suas vidas.
Dos vencidos não rezará a história.