Juros da dívida portuguesa em queda com ajuda extra do BCE
A nova bazuca de 750 mil milhões de euros anunciada esta quarta-feira à noite pelo BCE significa que 17,5 mil milhões de euros de dívida portuguesa podem vir a ser comprados este ano pelo banco central.
A entrada do Banco Central Europeu em alerta total contra a crise do coronavírus com o lançamento esta quarta-feira de um novo programa de compra de dívida pública europeia de 750 mil milhões de euros significa para Portugal que a autoridade monetária pode vir a adquirir, no decorrer deste ano, um montante próximo de 17,5 mil milhões de euros de dívida emitida pelo país.
O anúncio desta medida já está, na manhã desta quinta-feira, a contribuir para a descida das taxas de juro portuguesas.
Este valor é o que corresponde à percentagem do capital que Portugal detém no BCE (considerando apenas os países da zona euro) e representa, só por si, 13% do total da dívida de longo prazo que o Tesouro português tem emitido. Mais, o valor das possíveis compras de dívida do BCE supera o total de emissões de Obrigações do Tesouro que a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP previa fazer durante este ano: 16,7 mil milhões de euros.
Estas compras de dívida portuguesa por parte do BCE prometem ter, pela sua dimensão, um impacto importante na evolução das taxas de juro da dívida portuguesa que, em sintonia com a dos outros países “periféricos” da zona euro tem estado a subir desde o agravamento da crise do novo coronavírus na Europa.
E esse impacto já se está a sentir. Na manhã desta quinta-feira, numa evidente reacção ao anúncio realizado no dia anterior à noite pelo BCE, as taxas de juro da dívida portuguesas caíram de forma significativa nos mercados obrigacionistas. A taxa de juro a 10 anos, que no dia anterior estava na casa dos 1,4%, reduziu-se em mais de 0,4 pontos percentuais e está agora já abaixo de 1%.
Em Itália, o país que é o principal alvo da medida tomada pelo BCE e cuja dívida pública era a que mais preocupava os investidores, a taxa de juro a 10 ano regista no início do dia de hoje uma descida de cerca de 0,6 pontos percentuais, situando-se em 1,66%.
Depois de na semana passada, ter desiludido os mercados com um anúncio de medidas que incluía um reforço das compras de activos de apenas 120 mil milhões de euros até ao final do ano, o BCE, liderado por Christine Lagarde, parece estar agora decidido a dar, mais uma vez, provas do seu poder para influenciar os mercados e salvar a zona euro de uma nova situação de risco.
Na quinta-feira passada, contudo, depois de a presidente do banco central ter dito em conferência de imprensa que “não é função do BCE reduzir os spreads da dívida”, instalaram-se muitas dúvidas nos mercados sobre o papel que política monetária poderia desempenhar nesta crise.
E, com a pandemia a afectar em particular a Itália, os investidores começaram a penalizar os títulos de dívida pública do país, o que acabou por arrastar consigo outros países classificados como “periféricos” como a Espanha ou Portugal.
Esta quarta-feira à noite, já depois dos governos reforçarem as suas próprias medidas de apoio à economia, Lagarde decidiu dissipar dúvidas quanto à disponibilidade do BCE para ajudar. Anunciou a criação de um novo programa de dívida pública, apontado especificamente ao combate aos efeitos da pandemia do novo coronavírus, no valor de 750 mil milhões de euros até ao final do ano. São aproximadamente mais 75 mil milhões de euros ao mês de compras, o que acresce aos cerca de 30 mil milhões ao mês que já estavam previstos. Nem no auge da crise da zona euro, o BCE fez compras mensais tão avultadas.
Há no entanto algumas dúvidas. Desde que começou a realizar compras de dívida pública, o BCE impõe a si próprio um limite à percentagem da dívida que pode deter de cada país (um terço). Em alguns países, incluindo Portugal e a Itália, esse limite tem vindo a ser um obstáculo a que o BCE possa realizar todas as compras correspondentes à percentagem do capital do país.
Deste modo, existe o risco de o BCE não conseguir, até ao final do ano, comprar tanta dívida portuguesa ou italiana como agora está a prometer, um risco que pode ser mitigado pelo facto, tendo em conta a previsível evolução da situação orçamental, os governos poderem vir a emitir muito mais dívida.