“Deixe o pedido à porta, por favor”: podemos continuar a encomendar comida online?

A Uber Eats e a Glovo não confirmam a “grande quebra” de encomendas sentida por estafetas com quem o P3 falou, no Porto. Há muitos restaurantes a fechar. As medidas de higiene foram reforçadas e as entregas sem contacto físico são privilegiadas — para manter a segurança de todos.

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De máscara e com luvas, os entregadores não tencionam parar enquanto puderem trabalhar. Tiago Lopes

O número de pedidos de entrega de comida a casa cai entre “o medo” e “o fecho dos restaurantes”. “Ou, provavelmente, uma mistura entre os dois”, concordam os 20 estafetas com quem o P3 falou, no Porto, na tarde de quarta-feira. A amostra é minúscula e prefere não ser identificada — mas é unânime: “Esta tem sido a semana mais fraca desde que comecei a trabalhar”. “Num dia normal faço 20 entregas. Agora, num dia bom, talvez sete”, contabiliza um dos entregadores.

Glovo e a Uber Eats não confirmam se há uma diminuição do número de entregas através das plataformas online, desde que o número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) começou a subir em Portugal. Também não divulgam se registaram uma variação do número de estafetas ligados às aplicações móveis ou do tempo médio de espera. “Estamos a operar na normalidade”, diz ao P3 Mariana Ascensão, directora de comunicação da Uber em Portugal. “Neste momento, estamos focados em garantir que conseguimos cooperar e ajudar o sector da restauração.”

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Um dos estafetas da Uber Eats a desinfectar as mãos, antes de recolher uma encomenda. Tiago Lopes

Até agora, “não há nada que indique que os alimentos possam ser uma via particular de transmissão deste novo coronavírus”, disse ao PÚBLICO Duarte Torres, investigador no Instituto de Saúde Pública da Universidade de Porto. No entanto, o novo vírus ainda tem muitas pontas soltas e o seu período de vida em superfícies ainda não é conhecido. Deitar caixas e sacos imediatamente para reciclar e lavar as mãos antes de comer é um bom princípio. 

O risco pode ser maior para as pessoas que fazem a distribuição por várias portas. Em redor do Mercado do Bom Sucesso, na Boavista, os muitos estafetas que por lá costumam estacionar ficaram a saber que os últimos restaurantes ainda abertos no mercado iriam fechar esta semana. “Espero que não, mas estou à espera que feche tudo mesmo”, comenta um entregador português. Durante o estado de emergência que vigora pelo menos até 2 de Abril, os restaurantes podem vender refeições em regime de take-away e fazer entregas ao domicílio. E a maior parte dos estafetas com quem o P3 falou disse que continuariam a fazer o seu trabalho.“Sou quase obrigado, não é?”, pergunta retoricamente um outro colega brasileiro. “Se ficar em casa, não recebo.”

Apesar de Itália e Espanha terem decretado o fecho dos restaurantes, os entregadores continuam a percorrer as ruas dos países europeus mais afectados pela pandemia de covid-19. “A entrega de refeições também pode ajudar num apoio melhor aos restaurantes face a uma possível queda de actividade nas próximas semanas”, acredita a Uber Eats. Apesar do fecho temporário de alguns restaurantes, que aparecem indisponíveis aos utilizadores da aplicação, também há novas adições. A trabalhar à porta fechada desde a semana anterior, inscreveram-se na plataforma vários restaurantes no Porto e Lisboa, para continuarem em funcionamento. 

​Para já, além de um “um número bem menor de encomendas” (não confirmado oficialmente) e de “menos trânsito”, os estafetas também se viram com os horários trocados. “Mais entregas ao almoço do que ao jantar”, notaram (o que também pode ser explicado pela remoção da taxa de entrega à hora do almoço, da Uber Eats). Depois de explicadas as regras do estado de emergência, a Uber Eats retirou todas as taxas para todos os pedidos, até 3 de Abril.

Medidas de higiene reforçadas

O Ministério da Saúde lembra que os profissionais “que manifestam sintomas de infecção respiratória (tosse, febre ou dificuldade em respirar) não devem apresentar-se ao serviço”. Até esta quarta-feira, a Uber Eats diz não ter recebido nenhum pedido de apoio da parte de "estafetas diagnosticados com a covid-19 ou colocados em quarentena por uma autoridade de saúde pública”. “Motoristas e estafetas nessas situações receberão compensação por um período de até 14 dias”, garante a empresa, baseada nos ganhos médios diários dos últimos seis meses.

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Lavar as mãos com água e sabão nem sempre é possível para os estafetas, que recorrem a gel desinfectante. Uber Eats dá 25 euros para a compra de materiais de protecção. Tiago Lopes

A principal indicação da Direcção-Geral da Saúde é a mesma para quem entrega e quem recebe: lavar as mãos com água e sabão regularmente e pelo menos durante 20 segundos. Isto nem sempre é exequível no caso dos entregadores, alertam os estafetas com quem o P3 falou, alguns deles a usar máscara e luvas que compraram nos últimos dias. 

Se água e sabão não são uma possibilidade, as mãos, o volante do meio de transporte e o terminal de pagamento automático móvel deverão ser “desinfectados com soluções à base de álcool ou com toalhitas desinfectantes”, antes e depois da entrega. Aos colaboradores, a Uber enviou terça-feira uma mensagem onde se lê que irá reembolsar o preço destes materiais “até 25 euros por parceiro de entrega”, mediante apresentação de factura e enquanto não consegue disponibilizar estes produtos de forma gratuita, conforme recomenda a DGS às empresas.

Entretanto, em vez de escreverem na nota de entrega que a rua é sem saída ou que a campainha não funciona, quem encomenda comida começou a deixar uma outra observação: “Por favor, deixar o pedido à porta, obrigada.”

O McDonald's vai manter aberto o McDrive e a McDelivery. “Contamos com equipas muito reduzidas, de forma a minimizar contactos pessoais, reforçámos os rigorosos processos de higiene e segurança e introduzimos novos procedimentos de entrega das encomendas aos clientes e aos motoristas da Glovo e Uber Eats, que prestam o serviço McDelivery”, diz a multinacional ao P3.

Na Pizza Hut, os distribuidores são aconselhados a fazer a entrega à porta do edifício e sem tirar o capacete amarelo. O mesmo se passa na Domino’s Pizza, onde também cabe ao cliente recolher a refeição do saco térmico onde é transportada. Os pagamentos através de meios que não impliquem contacto físico devem ser privilegiados, para evitar mexer em dinheiro ou cartões. As mochilas térmicas que vemos viajar acopladas a bicicletas e motas também devem ser “limpas frequentemente”. “Todos os nossos utensílios são desinfectados, após entrega e entre encomendas”, garantem as marcas. 

O objectivo é manter a distância social e proteger os estafetas que continuam a recolher e entregar comida (e outros bens) e os clientes que aproveitam o auto-isolamento para receber refeições à porta do prédio — ou do elevador, onde o saco subiu. Sozinho.

Notícia actualizada a 20 de Março para incluir as novas regras do estado de emergência, que continua a permitir as entregas ao domicílio.

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