No mercadinho do sr. Orlando tudo mudou, para que nada mudasse
Na zona Norte do bairro de Telheiras quase todo o comércio fechou. Uma pequena mercearia do bairro continua, porém, aberta, mas tomou medidas radicais de protecção de funcionários e clientes. “Sinto que também estou a fazer serviço público”, “as pessoas têm de comer”, diz o proprietário.
Logo na manhã de sábado, Orlando Santos tomou a decisão: não ia fechar o seu minimercado de bairro, mas muito tinha a mudar para poder continuar a aviar a clientela do bairro de uma zona de Telheiras, em Lisboa. Colocou carrinho a bloquear a porta, adaptou-lhe uma folhas de acrílico na frente e laterais, deixando um espaço para passarem sacos e manteve as entregas ao domicilio. Os clientes esperam na rua, mantendo entre si uma distância de um metro ou mais, antes de fazerem o pedido por escrito ou oralmente. Todos os empregados trabalham com luvas e máscaras protectoras e há líquido desinfectante disponível para todos.
“Toda a gente compreendeu e aplaudiu a decisão”, diz Orlando Santos, que foi dos primeiros comerciantes nesta zona de Telheiras, que faz fronteira com os bairros de Carnide e Benfica, a tomar medidas de defesa contra a covid-19.
“Não podemos parar, mas temos de nos defender. A nós, aos empregados e aos clientes. No final da semana passada, pelas notícias, comecei logo a ver que isto ia ser grave, mas não podia fechar a loja. Isto é um negócio, claro que é, mas também é um serviço de que as pessoas precisam muito. As pessoas têm de comer. Sinto que também estou a fazer serviço público, mas faço-o com todos os cuidados”, afirmou ao PÚBLICO Orlando Santos ao início da tarde desta terça-feira.
Na Rua Padre Américo, onde há 22 anos funciona o Mercadinho do sr. Orlando, pelas 15h, oito pessoas perfilavam-se frente ao balcão agora no exterior. Dentro do minimercado a azáfama era imensa. Uma meia dúzia de funcionários enchiam sacos atrás de sacos. Saía um pouco de tudo: verduras, fruta diversa, enlatados, pão, congelados. “As pessoas estão a levar muito mais coisas do que levavam há uma semana”, assegura o proprietário do pequeno minimercado.
Até agora não tem tido dificuldades em abastecer a loja, “embora já comece a sentir algumas restrições em alguns produtos”. “Vamos ver no que isto vai dar, mas, para já, não tenho queixas a fazer”, acrescenta Orlando.
O que irrita este comerciante de 59 anos é “alguns disparates” que vai vendo. “Esta manhã fui abastecer-me a um mercado. À porta estavam umas dez pessoas, todas em cima umas das outras. Alguém disse: ‘Não seria melhor guardarem alguma distância entre vós’. Ninguém lhe ligou. As pessoas têm de meter na cabeça que o que se está a passar é grave. Podem trabalhar, em alguns casos têm mesmo de trabalhar, mas tomando todas as precauções”, diz Orlando Santos.
Nas imediações desta mercearia de bairro continuam abertos três restaurantes, dois deles chineses, uma pizzaria que faz entregas em casa e uma Padaria Portuguesa. Há hora de almoço os clientes eram poucos. De resto quase todo o comércio fechou. O que há uma semana estava cheio está agora quase vazio, ou mesmo vazio. Nas montras e portas das lojas agora fechadas, cartazes explicam a razão. Na maioria deles há uma frase que se repete: “Devido ao coronavírus…” Uns anunciam encerramentos por 15 dias, outros por um mês e outros “por tempo indeterminado”.
Nas ruas do bairro de elevada densidade habitacional, pouca gente anda pelas ruas. Alguns usam luvas e máscara de protecção. Quase não se vêem crianças. O volume do trânsito caiu radicalmente.
Nesta quarta-feira há uma certeza: por volta das 8h, o Mercadinho do senhor Orlando volta a abrir portas à clientela e a fazer entregas em casa. “Enquanto puder, enquanto tiver o que vender, vou continuar aberto. Sempre com todos os cuidados e cumprindo todas regras de protecção. As pessoas precisam de comer, há coisas que não podem fechar”, diz o comerciante. Muitos clientes agradecem-lhe por manter as portas abertas.