“Nada mudou na prisão” e a revolta é grande com o fim das visitas
Até sexta-feira, não havia registo de qualquer caso de infecção por coronavírus entre os quase 13 mil presos nas cadeias portuguesas. Manifestação de mulheres de reclusos de Paços de Ferreira neste domingo pede maior protecção para os presos e fim da suspensão das visitas.
Nos anos que já levam dentro da cadeia, os seus homens treinaram a contenção da revolta e temem represálias se se manifestarem. Por isso, são as mulheres dos reclusos que neste domingo organizam uma acção de protesto em frente da cadeia de Paços de Ferreira.
Em vez das habituais visitas dos sábados e dos domingos – suspensas pelo Ministério da Justiça por orientação da Direcção-Geral da Saúde para prevenir contágios pelo coronavírus nas prisões – serão lançados balões em forma de terço de cruz das “cores da liberdade e da paz”, diz Paula Santos, mulher de um recluso de Paços de Ferreira, que assumiu a iniciativa nas redes sociais.
“Alguém que faça alguma coisa por eles”, diz Paula Santos. Não entende nem aceita as regras: “Se não há visitas, então por que todos os dias entram e saem os professores, os técnicos e educadores, os guardas, cozinheiros e outros profissionais da cozinha? Também esses, do exterior, podem vir infectados. “Na prisão ninguém protege ninguém do coronavírus”, reclama.
Essa é a principal fonte da actual revolta que só aumenta mas não explode com as condições nas prisões, as dificuldades em beneficiar de saídas precárias ou de liberdade condicional. “Eles amargam ali a pena toda”, diz Paula Santos num lamento sofrido que repete no fim de cada resposta.
Agora com o coronavírus, a ansiedade passou a alarme, por terem os maridos em espaços fechados com centenas de pessoas, em celas individuais ou camaratas, e onde nos recreios e no refeitório continuam as rotinas de sempre. “A nós, mulheres, os que nos preocupa muito é se eles perdem a cabeça. Serão torturados.”
Paços de Ferreira e Vale do Sousa estão entre as cadeias do Norte onde foram totalmente interrompidas as visitas. No resto do país, manteve-se uma visita por semana.
As mulheres estão atentas ao que aconteceu em Itália, onde familiares apelaram à libertação de presos portadores de doenças e com pouco tempo de prisão ainda para cumprir. E onde, por outro lado, houve motins e mortes deles resultantes, acrescenta Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional.
Calmos mas revoltados
“Por enquanto estão calmos”, diz Bartolomeu sobre os reclusos com quem partilha o espaço e o tempo no EP de Vale do Sousa. “Ninguém quer ser prejudicado. Ou fazemos todos ou não faz nenhum. Se alguns de nós se manifestam haverá represálias.”
“A ordem deve ser igual para todos porque o problema é o mesmo para todos”, diz, referindo-se à decisão da Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) de suspender, ainda que temporariamente, as visitas nos estabelecimentos no Norte.
Contactada, a DGRSP justifica a “suspensão imediata” nalguns estabelecimentos por se “estar perante uma situação dinâmica”. E acrescenta que, “procurando facilitar o contacto com familiares e amigos, foi permitida a realização de três chamadas telefónicas diárias com a duração de cinco minutos cada.”
O telefone – dentro ou fora daquilo que é autorizado – é a única forma através da qual os reclusos podem exprimir o que já não cabe neles: o medo de um contágio e o seu eventual descontrolo. “Não falamos de outra coisa entre nós.”
Sentem-se injustiçados. “Não nos podem proteger só impedindo o contacto com as nossas famílias”, diz Bartolomeu. “E todos os que trabalham e são rendidos pelos colegas que vêm do exterior?”, questiona. “Cá dentro andam sem luvas ou máscaras. Não há nada. Nem um único desinfectante. Somos tratados como gado.”
“O vírus não está lá dentro. Pode é vir de fora para dentro”, realça Jorge Alves, que alerta para a vulnerabilidade da população prisional. “Muitos têm HIV-sida, Tuberculose ou Hepatite C, e muitos têm mais de 70 anos. É uma população envelhecida”, diz. “Onde está a preocupação da Direcção-Geral [da Reinserção e dos Serviços Prisionais]?”
Até sexta-feira, altura em que enviou as respostas, o gabinete de imprensa do Ministério da Justiça informou que não havia “registo de qualquer situação clínica associada, ou associável, ao Covid – 19”.
E acrescentou que para a eventualidade de haver a necessidade de internar reclusos que “venham a acusar positivo”, a DGRSP criou duas enfermarias de retaguarda, uma no Estabelecimento Prisional do Porto e outra no Hospital Prisional de São João de Deus em Caxias.
Novos presos de quarentena
Os reclusos que regressem de saídas precárias a casa, ficarão em isolamento, de quarentena, por um período não inferior a duas semanas, bem como os novos condenados ou novos presos preventivos, que serão encaminhados para unidades esvaziadas para esse efeito.
Quem está na cadeia, como Bartolomeu ou Paulo, diz que tudo se mantém na mesma. A única limpeza que vêem é a de sempre com o sabão e a lixívia que lhes são dados para eles lavarem as suas celas.
“Nada mudou aqui dentro”, diz Paulo, pelo telefone, da prisão de Paços de Ferreira. “Ninguém nos informou sobre o vírus, sobre os cuidados a termos aqui dentro. Apenas puseram um placard a explicar como lavar as mãos.”
O que sabem é o que lhes dizem as notícias que vêem na televisão – “não fazemos outra coisa” – e percebem os cuidados que o Estado está a ter com o resto da população e não está a ter com eles.