Sindicato quer trabalhadoras da limpeza protegidas de coronavírus: “São tão importantes quanto os enfermeiros”

Sindicalista queixa-se de frascos de desinfectante vazios nos hospitais. Numa unidade de cuidados continuados em Alhos Vedros, trabalhadoras dizem que têm de “roubar luvas às auxiliares”. O STAD alerta ainda para patrões que não queiram pagar a domésticas que dispensam.

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Trabalhadoras da limpeza foram à rua no ano passado daniel rocha

O Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas (STAD) alertou as empresas para a necessidade de estes profissionais terem tratamento igual, em termos de medidas de prevenção, ao dos funcionários dos locais onde estão a trabalhar. 

Este sector, constituído por 90% de mulheres, presta serviços a hospitais, serviços públicos, transportes e empresas. O sindicato quer assegurar que, em locais de risco, como os hospitais, as trabalhadoras usam luvas, máscaras e equipamento especial quando necessário. Só no Hospital de Santa Maria há 230 trabalhadoras da limpeza e no São João do Porto 220. O STAD representa cerca de 40 mil trabalhadoras e 40 mil vigilantes.

“Andei durante três semanas em hospitais em todo o país, e em muitos deles o desinfectante já não existia, os frascos estavam vazios. E este é um problema para toda a gente”, conta ao PÚBLICO a dirigente do STAD, Vivalda Silva. Vivalda Silva tem dito às associadas para irem trabalhar desde que os locais cumpram “as medidas de segurança”. O STAD tem recebido queixas de falta de luvas ou de máscaras. As luvas fazem parte do equipamento de protecção individual que deve ser fornecido pelas empresas, as máscaras devem ser dadas pelos hospitais.

“Neste momento, as trabalhadoras da limpeza são tão essenciais quanto os auxiliares de saúde ou enfermeiros”, refere. “O trabalho é mais exigente. Estão num local de risco.” No caso de uma trabalhadora ser infectada pelo novo coronavírus, “tem direito ao mesmo que os outros”.

As funcionárias da limpeza na Unidade de Cuidados Continuados Francisco Marques Estaca Júnior (UCCI FMEJ), em Alhos Vedros, que trabalham para a empresa Ambiente e Jardim, são das que se queixam de não estarem a receber luvas nem máscara. Já pediram reforço de desinfectante, que está a terminar, mas não receberam resposta da empresa, disse ao PÚBLICO uma fonte que não quis ser identificada. “Andamos a roubar as luvas e as máscaras às auxiliares, mas já fomos alertadas porque o material está a ser contabilizado.” 

Com a maioria de doentes idosos, e um grupo de 13 trabalhadoras de limpeza, sentem-se “totalmente expostas”. “Temos de fazer a limpeza toda do quarto, menos mexer no doente, nas casas de banho, tudo. Claro que tememos pela nossa saúde”, diz.

Segundo Isabel Maria, supervisora-geral da Ambiente e Jardim, as luvas normais estão a ser fornecidas àquelas trabalhadoras, mas as máscaras não estão incluídas no material de limpeza que têm de fornecer e o desinfectante é da responsabilidade da unidade de cuidados continuados. Por email, a empresa refere depois que não houve tempo de se preparem para a pandemia e que os stocks de máscaras se esgotaram. “Os privados vêem-se incapazes de ter neste momento acesso a esse equipamento que devia ser estendido a todos os profissionais que trabalham nas unidades de saúde”. “Mas isso só depende da vontade do Ministério da Saúde”, alega.

UCCI FMEJ não respondeu, até agora, ao contacto do PÚBLICO para dar esclarecimentos. 

Domésticas vulneráveis

Em relação às trabalhadoras domésticas, que obedecem a outro regime contratual, Vivalda Silva teme que os patrões não lhes paguem quando sejam dispensadas. As trabalhadoras domésticas não são a maior fatia dos seus associados. A sindicalista, que ainda não recebeu queixas mas antecipa este cenário, refere que esta é uma fatia vulnerável, pois muitas trabalham poucas horas para cada empregador, e nem sempre com contrato escrito. “Mas um contrato não precisa de ser escrito”, avisa. Ainda mais vulneráveis são as que não fazem descontos para a Segurança Social. 

A sindicalista apela ao “bom senso” dos patrões. Refere ainda que é necessária a compreensão da trabalhadora para a possibilidade de não vir a receber “exactamente o mesmo que receberia se estivesse ao serviço” porque o empregador também pode ter tido uma redução de ordenado ao ficar em casa. “Isto é uma situação tão complicada, temos de ter consciência de que estamos todos no mesmo barco”, refere. “Estou convencida de que teremos casos destes depois de isto acabar. Neste momento, a trabalhadora vai para casa e até acha uma boa medida porque tem medo”, mas só irá confrontar-se com esta questão se não receber. 

Mais limpeza em transportes, menos em empresas 

Com as novas medidas de segurança, o cenário de necessidade destas trabalhadoras está a alterar-se. Fernando Sabino, secretário da AFS, diz que, por um lado, há mais pedidos de horas de trabalho para instituições como hospitais ou transportes; por outro, as empresas que fecharam já não precisam de tantas trabalhadoras ou dispensam mesmo o serviço. 

Com o novo contrato colectivo assinado no ano passado, explica Vivalda Silva, a trabalhadora que faça 40h mensais ganha 638 euros, mas nos hospitais ou transportes ganha mais 10 euros (subiram o subsídio de alimentação para 3 euros, dantes não chegava a dois euros).

 A AFS representa 50 empresas, o que equivale a 70% do volume do sector e corresponde a 50 mil trabalhadores da limpeza. Teme que possam existir no futuro “algumas incompreensões”, mas espera que os contratos sejam cumpridos. Garante que nos casos de dispensa “a empresa manda [a trabalhadora] para casa mas vai continuar a pagar-lhes”: “Se não há razões objectivas para o cliente cancelar o contrato, vai ter de assumir a responsabilidade.”

Segundo Fernando Sabino, com o fecho das escolas as empresas demonstraram preocupação nos casos em que há filhos até aos 12 anos que precisam de ser acompanhados por este ser um sector em que “90% das trabalhadoras são mulheres”. Nesse caso, o trabalhador pode pedir baixa e receber dois terços do vencimento. “A empresa tem de suportar 33% do vencimento do trabalhador, o que é um custo acrescido porque, se a pessoa tem de ir para casa, vai ter de colocar outra e pagar-lhe.” 

Vivalda Silva confirma que “é de prever que muitas fiquem em casa”, já que a maioria “são mulheres e com filhos, se não tiverem outra opção têm mesmo de ficar em casa”. A Ambiente e Jardim refere que “esta actividade já está fortemente penalizada pelos inúmeros trabalhadores em baixa por assistência”.

Fernando Sabini garante que o lugar das mulheres que optem por esta via está garantido quando regressarem ao trabalho. 

Sandra Lopes, 29 anos, com um filho de três anos, já está em casa. Trabalha no Centro Comercial das Amoreiras nas limpezas, há mais de três anos, e até este domingo apresentou-se ao serviço; pelo menos até dia 13 de Abril ficará com o filho em casa. Não se sente totalmente esclarecida sobre o pagamento, mas diz: “A saúde está em primeiro lugar, é isso que me preocupa mais, o bem-estar da família, porque trabalho num sítio público onde vai muita gente. Estamos em contacto directo com bactérias, com vírus, estamos muito expostas, até porque quem tem de fazer a limpeza de desinfecção somos nós.” Não usou máscara, mas diz que a empresa lhe deu luvas e desinfectante. O centro tinha poucas lojas abertas, relata. Agora está mais descansada: “Estamos todos em casa.”

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