Coronavírus: cientista português junta especialistas de todo o mundo para desenvolver novos ventiladores

Project Open Air já conta com o contributo de mais de 1500 especialistas, a maioria deles portugueses. Em menos de 48 horas, e com o aumento de casos de coronavírus, há ideias para combater a escassez de equipamento de auxílio respiratório prontas a entrar em fase de testes.

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O novo coronavírus tem colocado vários países com dificuldades em responder às necessidades de equipamento médico. Rui Gaudêncio

As notícias da escalada de gravidade na Europa do novo coronavírus – com especial atenção para o número de mortes em Itália - estavam a preocupar João Nascimento que procurou ajudar na resolução dos problemas impostos pela pandemia. Por “exclusão de partes”, decidiu debruçar-se sobre o problema da falta de ventiladores, que em Itália tem condicionado a acção dos profissionais de saúde.

Procurou quem já estivesse a falar do tema e encontrou dois ingleses a tweetar sobre ventiladores open source (código aberto, sem licença comercial). “Limitei-me a ir ao Twitter fazer uma pesquisa para ver quem estava a falar sobre o assunto”, confessou o cientista português de 40 anos, formado em Harvard.

Criaram então o Project Open Air, um canal de discussão no Slack e, a partir daí, na quarta-feira, o projecto “ganhou vida própria”. Em menos de 48 horas, o movimento já junta num chat mais de 1500 especialistas de áreas que vão da Medicina à Computação. Desde a divulgação do projecto no jornal Observador, Portugal tornou-se no país mais representado neste projecto. “A maioria das pessoas já é portuguesa. O nosso canal de managers tinha dez pessoas. Agora somos 20, metade deles portugueses. Tomaram conta daquilo tudo”.

 Para João, o maior desafio tem sido encontrar gestores de projecto que “dêem sentido” às conversas e permitam às pessoas “participar dentro das suas valências”. No chat a que o PÚBLICO foi autorizado a aceder, já foram criadas dezenas de canais especializados para discussões sobre hardware de ventiladores, regulação dos projectos ou procura de financiamento.

Situação de emergência ajuda a acelerar projectos

O sentido de urgência do momento já está a permitir que algumas ideias cheguem a fases de teste. João deu o exemplo de um anestesista australiano que contactou esta sexta-feira o Project Open Air e está prestes a desenvolver protótipos para experimentar no terreno.

“Estava a trabalhar num projecto para um meio mecânico mais móvel, para adaptar a ambulâncias. Colocamo-lo em contacto com o nosso canal de hardware médico e, pelo que percebi, já está a tentar avançar para a próxima fase”, contou.

O português tem tido dificuldade em acompanhar o crescimento “fenomenal” do grupo nas últimas horas, mas sabe que há mais projectos a evoluir para “fases mais interessantes” no terreno. Além disso, participam também nos grupos alguns médicos com experiência em hospitais de campanha, em África, onde a falta de “meios convencionais" já os levou a adaptar máquinas e peças para auxiliar a respiração de doentes.

A agilidade deve-se aos contactos de “muitas empresas” que têm colocado à disposição de linhas de produção, impressoras 3D ou outros meios de fabrico. Ainda na manhã desta sexta-feira, o movimento recebeu um reforço de peso que deixou os responsáveis “estarrecidos”.

 “Fomos contactados por uma empresa que trabalha com uma equipa da Fórmula 1. A competição está parada, viram o que se está a passar e contactaram-nos para pôr à disposição os meios deles”, revelou João Nascimento, sem adiantar mais detalhes.

João Nascimento considera que as medidas portuguesas “mais restritivas”, anunciadas na quinta-feira, o colocaram menos preocupado com a situação, mas o investigador ainda tem algum “receio” quanto ao possível comportamento da pandemia no país, confiando no trabalho das entidades para perceber o ponto da situação em Portugal. “Nesta altura, temos de confiar nas autoridades, ter calma e tentar fazer o melhor que pudermos nas nossas áreas”, aconselhou.

Em entrevista à RTP3, o pneumologista Filipe Froes, representante da Ordem dos Médicos para as questões ligadas ao novo coronavírus, referiu o número de ventiladores em Portugal está entre 500 e 600 unidades, sendo que uma parte está a ser utilizada para doentes com outras patologias. Face a este número, João Nascimento relembra que “nada garante” que a situação no país evolua para que haja falta de equipamento – como aconteceu em Itália.

Num cenário a que espera não chegar, o João “gostaria muito” que o movimento possa ser capaz de contribuir com alguma solução “o mais imediata possível”. “Espero que toda esta entrada de portugueses e de gente competente com vontade de ajudar seja preponderante, caso lá cheguemos​”, confessou João Nascimento, que recusa ficar com os créditos quanto ao sucesso do projecto: “Se há algum mérito a ser atribuído, é aos engenheiros, cientistas, académicos e todos os envolvidos na pesquisa. Eu limitei-me a juntá-las, apenas facilitei o contacto.”

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