O que implica o estado de alerta?
Cidadãos e entidades privadas ficam obrigados a prestar às autoridades auxílio que lhes for pedido. Quem se recusar incorre no crime de desobediência – tal como quem desrespeitar as suas ordens.
O estado de alerta decretado pelo Governo implica punições agravadas para quem desrespeitar as ordens das autoridades. Isso mesmo fez questão de dizer o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, na conferência de imprensa que fez esta sexta-feira.
Em circunstâncias normais, a desobediência às autoridades já é crime, podendo valer até um ano de cadeia ou até 120 dias de multa. Mas a lei de bases da Protecção Civil determina que a desobediência e a resistência às ordens legítimas das entidades competentes durante situações de alerta, contingência ou calamidade, podem ser punidas como mais severidade: as molduras penais máximas são susceptíveis de serem agravadas em um terço nos seus limites mínimo e máximo.
O estado de alerta pode ser declarado quando, face à ocorrência ou iminência de um acontecimento excepcional e grave, se torna necessário adoptar medidas preventivas ou medidas especiais de reacção. É o primeiro patamar e o menos grave de um conjunto de três previstos na referida lei de bases. Os dois patamares seguintes são a situação de contingência e a de calamidade.
Decretado o estado de alerta, cidadãos e entidades privadas ficam obrigados a prestar às autoridades de Protecção Civil a colaboração que lhes for pedida. Caso recusem fazê-lo incorrem igualmente no crime de desobediência A Protecção Civil e as forças de segurança ficam em regime de prontidão, para garantir apoio à população. Esta situação implica ainda uma obrigação especial de colaboração por parte dos órgãos de comunicação social, em particular das rádios e das televisões, bem como das operadoras móveis de telecomunicações, visando a divulgação das informações relevantes relativas à situação.
O antigo ministro da Administração Interna Rui Pereira defende que, em vez do estado de alerta, era preferível o Governo ter decretado o estado de emergência, por este permitir impedir deslocações e ajuntamentos, ao contrário do primeiro. O especialista em segurança interna defende também a reactivação do controle das fronteiras nacionais.
“Foi positiva a declaração do estado de alerta, por permitir maior coordenação entre as autoridades públicas e a colaboração dos particulares com estas”, analisa o ex-governante. “Mas era preferível ter sido declarado o estado constitucional de emergência, por permitir de forma clara que se imponham restrições à liberdade de deslocação e ao ajuntamento de pessoas.”
A Constituição estabelece dois estados de excepção a este nível, com a consequente suspensão de direitos dos cidadãos: o estado de sítio, o mais grave de todos, e o de emergência. Podem ser decretados por causa de calamidades motivadas por epidemias. Deste conjunto não faz parte o estado de alerta, que só está previsto na lei de bases da Protecção Civil e não é, portanto, um estado de excepção, como sucede com os outros dois.
Rui Pereira acha não se deviam temer as consequências do decretamento do estado de emergência, uma vez que ele só pode ser decretado pelo Presidente da República após audição do Governo e autorização da Assembleia da República. Limitado a uma duração de 15 dias – que podem, porém, ser prorrogados –, este estado “não pode atingir os direitos fundamentais mais importantes”, explica: à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania. As liberdades de consciência e de religião também não podem ser afectadas por este tipo de medidas. Também o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia já tinha defendido, num artigo de opinião no PÚBLICO, a adopção do estado de emergência.
O antigo governante acrescenta ainda que devia ser equacionado o accionamento do artigo 25º da Convenção de Schengen, que permite reactivar o controlo fronteiriço, “uma vez que a pandemia pode introduzir perturbações na segurança interna”. A ideia seria “estabelecer uma moratória na entrada e saída de pessoas”.
Mas o ministro da Administração Interna entende que, neste momento, não se justifica nem encerramento das fronteiras nem o fecho da rede de transportes públicos, como o metro.“Excepto no que respeita aos cruzeiros e aos voos provenientes de Itália, neste momento, não temos nenhuma justificação que fundamente o encerramento total de fronteiras”, afirmou o governante. O estado de alerta foi decretado até 9 de Abril, altura em que poderá vir a ser prorrogado se as circunstâncias assim o exigirem.
José Manuel Anes, ex-presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, entende que o decretamento só peca por tardio. “Mas mais vale tarde do que nunca”, equaciona. Este perito em segurança sublinha ser necessário algum equilíbrio nas medidas adoptadas, por forma a que “não façam muita mossa na economia”.