Jorge Torgal: “Fechar as escolas é ajudar e justificar o medo que não tem razão de ser”
O médico Jorge Torgal, especialista em saúde pública, e professor catedrático da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, deu o rosto pelo Conselho Nacional de Saúde Pública, na conferência de imprensa de quarta-feira em que foi anunciado que este organismo entendia que só se justificava o encerramento das escolas por determinação expressa das autoridades de saúde. Defensor de que há um pânico injustificado em torno do coronavírus explica porquê e diz que Portugal não é Itália.
Há dias dizia ao Jornal de Notícias que havia “um pânico completamente desproporcional à realidade” e que a covid-19 era menos perigosa do que a gripe. Mantém esta opinião?
Mantenho e ela até se acentua.
Porquê?
Estamos perante uma situação em que 80% das pessoas infectadas terão uma forma ligeira da doença; teremos 15% e 20% de doentes mais diferenciados e 5% terão uma situação muito grave. Acho que isto é um quadro relativamente benigno, até porque presumo que Portugal nunca terá o mesmo número de doentes que teve a China. O quadro global nacional é relativamente positivo, face à morbilidade de outras patologias com que convivemos todos os dias.
Por outro lado, as pessoas agem como se fosse uma doença facilmente transmissível por contacto social e não é. Sabemos que são pessoas que estão com febre, escarrando ou tossindo para cima de outras [que podem transmiti-la]. É um quadro muito limitado que não é compatível com todo o alarme social que existe.
Mas esse alarme tem alguma justificação, estamos a falar de uma pandemia e que tem vindo a escalar.
Está a escalar, mas também é preciso olhar para o lado bom. Compreendo a preocupação, porque é uma questão nova, da qual é apresentada todos os dias a mortalidade, o que não é normal em nenhuma outra doença. E que teve um impacto inicial enormíssimo, com 40 mil doentes estudados, milhões de pessoas isoladas… Foi o enorme impacto do desconhecido. Mas passaram-se três meses e já se conhece muito sobre a doença, muito sobre a transmissão, muito como evitar o agravamento da situação.
Já se sabe como a luta nuns sítios resultou e noutros foi catastrófica. Há muito conhecimento que permitiria às pessoas ter outra tranquilidade. Além disso, o nosso país tem uma coisa muito boa: um bom sistema de saúde, dos melhores da Europa, como sistema, que permite uma excelente organização no terreno, como se tem visto. Em praticamente todos os casos sabe-se onde foi a infecção, o que é fundamental para a luta organizada contra a doença. Isto permite que as pessoas sejam seguidas, e socialmente as pessoas têm sido muito responsáveis, embora se possa apontar algumas excepções.
Vejo [a evolução da covid-19 em Portugal] com relativo optimismo e é bom que se sabia que não tem nada a ver com o que aconteceu em Itália, onde foi impossível perceber de imediato onde foram infectados os primeiros cem doentes – é muito diferente uma situação da outra. Acredito que as pessoas vejam que estão a fechar tudo em Itália e que também queiram fechar, mas esta medida não tem nenhuma base científica, não colhe nada em relação ao que é a experiência epidemiológica da infecciologia nos últimos cem anos. Nem a experiência da Coreia do Sul ou de outros países europeus como a Alemanha que tem um approach muito parecido com o nosso.
O doutor disse que não mudou nada na sua vida, mas na conferência de quarta-feira anunciou a necessidade de um reforço das medidas de contenção. Não há aqui uma contradição?
Há uma contradição, que foi muito discutida ontem. Mas que, ao mesmo tempo, não é e tem um lado positivo. As medidas de contenção que se propõem são de melhor qualidade de vida na sociedade, ao nível da higiene pessoal, de respeito da saúde dos próximos, de comportamentos que permitem uma vivência social com menor transmissão de quaisquer doenças. O reforço da higiene pessoal é importante. E o reforço das medidas também tem algum efeito com o que tem a ver com o medo.
Se limitarmos as reuniões públicas, estamos a dar um sinal, sabe-se que grandes ajuntamentos são sempre fonte de doença. Passando do extremo para o que é razoável, evitar grandes aglomerações de pessoas é uma medida que deve estar presente. E depois há outras que já deviam estar a funcionar em todo o lado.
Por exemplo?
A limitação criteriosa das visitas aos hospitais. Os nossos hospitais têm muitas infecções. Isso é conhecido, mas temos este feitio muito complacente. Não gostamos de regras impositivas que limitem a nossa liberdade, tanto mais que ir ao hospital é apoiar outro, pelo que vai havendo um certo deixar andar. E podemos aliar essa limitação a outras medidas, como fazer às pessoas que vão a algumas instituições um pequeno questionário: tem febre, está constipado, tem falta de ar, esteve em Itália, esteve com alguém doente?
Um pequeno questionário deste tipo permite dizer que uma visita é de baixo risco e também dizer que outra não deve visitar o doente. As medidas de contenção passam por isto. Para outros passará por fechar escolas, mas fechar escolas não tem qualquer justificação técnico-científica e não colhe nada, mas há quem não pense assim.
O problema é que já há pais que não levam os filhos à escola, mesmo que ela esteja aberta.
Isso é o problema de cada pai. Uma coisa é a responsabilidade do país em fornecer educação. Outra é dos pais e, se não levarem os filhos à escola, terão de o justificar. Fechar as escolas é ajudar e justificar o medo que não tem razão de ser.
Entre o balanço do que já se sabe sobre o vírus e o que ainda não se sabe, acha que as medidas em vigor em Portugal são suficientes?
Neste momento são suficientes para uma linha de acção que tem fundamento. E sabem-se coisas novas todos os dias. Ainda há pouco saiu a notícia de que já se percebeu que o vírus entra na célula pelo mesmo caminho do vírus da sida, o que pode permitir que os mesmos medicamentos possam ser usados nos doentes muito graves. Agora, devemos fazer tudo para evitar termos doentes muito graves, porque as nossas estruturas hospitalares são suficientes em mar calmo, mas muito insuficientes quando temos uma epidemia de gripe ou dois meses de mau tempo. Esta grande nau dos cuidados de saúde diferenciados hospitalares sofre bastante porque não tem a dimensão que devia.
É possível fazer alguma previsão de quando poderemos atingir o pico da disseminação da doença?
Neste momento é imprevisível, o que é mais uma razão para não encerrarmos as escolas.