“Alarme social” justifica fecho das escolas, defendem directores

Conselho Nacional de Saúde Pública afasta cenário de encerramento generalizado dos estabelecimentos de ensino, o que apanhou de surpresa responsáveis educativos. Governo tem esta quinta-feira a última palavra.

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Rui Gaudêncio
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Ninguém questiona a validade científica da posição do Conselho Nacional de Saúde Pública (CNSP), que na quarta-feira afastou um cenário de encerramento generalizado dos estabelecimentos de ensino por causa do surto de covid-19. No entanto, o “alarme social” que a doença está a provocar nas comunidades educativas justifica o fecho das escolas, defendem os presidentes das duas associações de directores.

“Neste momento há dois tipos de pandemia”, ilustra o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira: “Há uma que é vírica e outra que é provocada pelo medo”. O cenário nas escolas é de “grande angústia e ansiedade” entre professores, pais e funcionários, confirma Filinto Lima, da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep). Os próprios alunos “já não rendem como é normal em função de toda esta situação”.

Por isso, a posição do CNSP, que defende que o encerramento de escolas só se justifica se houver uma indicação expressa nesse sentido por parte das autoridades de saúde, cai “como um balde de água fria” nas escolas. “Ao longo do dia toda a gente esperava que as escolas fossem encerradas”, conta Lima.

A ANDE tinha sugerido, no início desta semana, que as férias de Páscoa fossem antecipadas em duas semanas, reorganizando o calendário escolar de modo a permitir o encerramento imediato das escolas. A medida tinha, por exemplo, o apoio da Confederação Nacional das Associações de Pais.

Manuel Pereira, que preside à ANDE, continua a acreditar que essa é a melhor solução para responder ao problema que as escolas enfrentam, neste momento, por causa do novo coronavírus. Para a defender, partilha uma mensagem recebida de um colega director de uma escola italiana, país a braços com o maior foco de doença em território europeu: “Em Itália, o Governo cometeu o mesmo erro que o Governo português está a cometer: ganhar tempo para ver a evolução dos eventos. Mas é preciso actuar de imediato e tomar medidas drásticas”.

“Situações excepcionais exigem medidas excepcionais”, acrescenta Pereira. Nenhum dos presidentes das associações de directores de escolas públicas põe em causa que a decisão do CNSP faça sentido “do ponto de vista da saúde pública”, mas consideram que o Governo deve, no Conselho de Ministros de hoje, reavaliar a situação. O “alarme social” que a doença está a provocar junto das famílias, dos estudantes e também de professores e funcionários justifica o encerramento de escolas, entende Filinto Lima, dirigente da Andaep.

O Governo reúne na manhã de hoje e o primeiro-ministro passa o resto do dia a receber os partidos para apresentar as medidas que estão a ser tomadas para conter o surto da covid-19, que já infectou 59 pessoas em Portugal. É, no entanto, pouco provável que a decisão seja diferente da que foi sugerida pelo CNSP, órgão de consulta do Executivo e de análise de situações graves como pandemias. António Costa tinha garantido ao longo do dia que iria respeitar a decisão dos especialistas.

E a posição do CNSP ontem anunciada foi clara: “Só se justifica o encerramento de estabelecimentos de ensino, se os mesmos forem determinados pelas autoridades de saúde”. O mesmo vale para os equipamentos culturais.

O anúncio foi feito por Jorge Torgal, membro do Conselho de Saúde Pública, no final de uma reunião de cerca de cinco horas daquele organismo, que inclui especialistas em saúde pública e epidemiologia, além de responsáveis da Direcção-Geral da Saúde e do Infarmed.

A Directora-Geral da Saúde, Graça Freitas, precisou depois que se “mantém a recomendação de encerramento das escolas casuisticamente”, em função da situação concreta avaliada pelas autoridades de saúde. “Não devem ser criadas antecipadamente medidas desproporcionais”, justifica aquela responsável. 

Foi com base na determinação que já existe e que foi validada pelo CNSP que foram encerradas todas as escolas dos concelhos de Felgueiras e Lousada, onde se situa o principal foco de covid-19 no país, bem como escolas de Amadora e Portimão, onde havia alunos ou professores diagnosticados com a doença.

Foi também por causa de casos confirmados de infecção com o novo coronavírus que foram determinados os encerramentos de duas faculdades da Universidade do Porto, da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto e do campus de Gualtar, em Braga, da Universidade do Minho. A generalidade das instituições de ensino superior decidiram, entretanto, encerrar portas ou suspender as aulas presenciais, como medida preventiva, ainda que não tenham tido quais casos confirmados de infecção pela doença. 

Também a generalidade das autarquias decidiu, em função do avanço da doença no país, encerrar equipamentos municipais, incluindo museus e teatros, uma medida que o CNSP considerou na sua posição de ontem ser desproporcional se não tiver sido decretada pelas autoridades regionais de saúde.

"Não são férias"

A ministra da Saúde, Marta Temido, apelou à “responsabilidade” para lidar com a propagação da covid-19 em território nacional. Num dia de calor no Sul do país, houve praias que se encheram de pessoas e a governante aproveitou a conferência de imprensa após a reunião do Conselho Nacional de Saúde Pública para criticar aqueles que, estando de quarentena, continuam a frequentar espaços públicos. “É evidente que aquilo que é recomendado é ficar em isolamento”. Ficar em isolamento “não significa férias”, sublinhou.

Horas antes, em Berlim, o primeiro-ministro, António Costa, elogiou os cidadãos pelo “comportamento exemplar” que tem dado “bons resultados”, retardando a “expansão da epidemia”. “Um dos factores que retardou a expansão da epidemia em Portugal foi o facto de os portugueses espontaneamente terem aderido às recomendações que foram dadas, quer de higiene pessoal de lavar as mãos, quer de adequarmos uma nova forma de nos cumprimentarmos”, considerou António Costa, depois de um jantar com a chanceler alemã Angela Merkel, em declarações citadas pela agência Lusa.

“Menos beijinhos, menos apertos de mãos, mais acenos de cabeça e acenos de mãos. Esse tem sido um esforço muito importante, mesmo a forma como as pessoas, voluntariamente, se têm disponibilizado a ficar em situação de confinamento”, salientou o primeiro-ministro. Costa defende a necessidade de uma “visão comum” relativamente a esta “batalha”: “Temos de ter uma visão comum porque é um esforço nacional, e digo mesmo mundial, que temos todos de o fazer em conjunto”, salientou.

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