O isolamento e a quarentena de crianças devido à covid-19 — algumas notas para as famílias
Manter uma rede de apoio psicossocial, com vizinhos, amigos ou familiares, pode ser particularmente importante em momentos como este. Tendo por base as directrizes da National Association of School Psychologists, aqui ficam algumas questões a ponderar.
A covid-19 chegou a Portugal e estamos todos a aprender a lidar com ela. Enquanto médicos, investigadores, epidemiologistas e autoridades de saúde procuram compreender e gerir a gravidade da situação, aplicando as estratégias que consideram adequadas com os recursos que têm ao seu dispor, vamos sentindo o impacto gradual nas nossas vidas deste novo vírus.
Nunca o mundo foi tão globalizado, conectado e com tanta população. É possível que esta realidade de risco de pandemia seja mais frequente no futuro. Teremos de aprender a aprender a lidar com situações como esta.
Os dados disponíveis à medida que o surto vai evoluindo sugerem que é uma situação com uma baixa taxa de letalidade associada a uma elevada taxa de contaminação, daí que o reconhecimento de algum nível de preocupação, sem pânico, seja apropriado e possa resultar em acções que reduzam o risco de contaminação e o impacto da doença causada pelo novo coronavírus.
Assim, embora o risco imediato para a saúde seja baixo, é importante acompanhar a situação e a sua evolução. Nesta fase a preocupação com a covid-19 pode deixar as crianças e as famílias ansiosas. Em vários países já se implementaram medidas de encerramento de escolas.
Nas férias de verão e nos fins-de-semana, quando as crianças não estão na escola, há uma tendência para serem fisicamente menos activas e passarem muito mais tempo à frente da televisão, internet ou consolas de jogos. Também é usual adquirirem padrões irregulares de sono e dietas menos favoráveis.
Tais efeitos negativos na saúde poderão ser agravados se as crianças estiverem em casa sem actividades ao ar livre e sem interacção com os amigos.
Também temos de estar atentos ao impacto psicológico que esta situação pode ter em crianças e adolescentes. Haverá vários aspectos a ponderar como o medo de serem infectados, o stress prolongado ou a falta de contacto com os amigos, os colegas e os professores. Este isolamento pode gerar frustração, irritação ou tédio. Uma situação financeira familiar vulnerável e a ausência de espaço pessoal em casa podem agravar a situação.
Uma comunicação próxima e aberta com as crianças é essencial para identificar quaisquer problemas físicos ou psicológicos e para confortar as crianças em isolamento prolongado. É importante motivar as crianças a manter um estilo de vida saudável em casa, aumentando as actividades físicas, mantendo uma dieta equilibrada, bons hábitos de sono e uma boa higiene pessoal. É expectável que os conflitos domésticos e a tensão com os adultos aumentem, assim como a ansiedade e o medo de serem infectados.
Não devemos esquecer que os adultos são exemplos importantes de modelação de comportamentos saudáveis para as crianças e para as ajudar a desenvolver a sua auto-regulação. Além de monitorizar o estado de saúde e de bem-estar das crianças, é fundamental respeitar a sua identidade e as suas necessidades. Manter uma rede de apoio psicossocial, com vizinhos, amigos ou familiares, pode ser particularmente importante em momentos como este. Tendo por base as directrizes da National Association of School Psychologists, aqui ficam algumas questões a ponderar:
Ansiedade - Se os adultos se demonstrarem excessivamente preocupados, a ansiedade das crianças tende a aumentar. Para ajudar as crianças a lidar com a ansiedade, é importante fornecer informações apropriadas à idade sobre a gravidade e o potencial risco de doença e instruções concretas sobre como evitar infecções - como ensinar a importância de lavar as mãos e de evitar esfregar os olhos. Desenvolver esses hábitos e conversar com as crianças sobre os seus medos pode aumentar a sensação de controlo sobre o risco de infecção e pode ajudar a reduzir a ansiedade.
A evitar - manifestações de medo e ansiedade
Bullying - É importante evitar estereotipar qualquer grupo de pessoas como responsável pelo vírus. As manifestações de bullying ou comentários negativos feitos a outras pessoas devem ser interrompidos. É importante estar atento a quaisquer comentários que possam alimentar a discriminação e o preconceito. Este aspecto é particularmente importante quando, muitas vezes, estas manifestações se apresentam sob a forma de humor. O humor desempenha um papel fundamental na gestão do nosso estado emocional, no entanto, como dizia Charlie Chaplin, “a minha dor pode ser o motivo para o riso de alguém, mas o meu riso nunca deve ser a razão da dor de alguém.”
A evitar - estereótipos e culpabilização
Covid-19 - É fundamental saber que, no caso de contágio, os sintomas que podem aparecer, até cerca de 14 dias após a exposição, são: febre, tosse e falta de ar. Em algumas pessoas, os sintomas apresentam-se semelhantes a uma gripe sazonal ligeira, mas para outras podem ser bastante graves ou até fatais. É essencial seguir as instruções sobre como agir, de forma a proteger-se e a evitar a propagação do vírus. Visite: www.dgs.pt
A evitar - informações erradas
Disponibilidade - As crianças precisam de atenção. É importante que saibam que têm alguém que as ouve e sentirem-se amadas e protegidas. Isto é válido sempre mas, numa circunstância de encerramento da escola devido à Covid-19, é crucial que encontremos tempo e disponibilidade para elas e que sejamos um modelo a seguir. O que dizemos e fazemos tenderá a ser imitado. Importa assegurar que os adultos estão a gerir a situação e que, enquanto os profissionais de saúde e os cientistas estão a lidar com o vírus e com as pessoas doentes, nós estamos lá para ajudar a mantê-los seguros e saudáveis. É importante ouvir e ajudar as crianças a expressar os seus sentimentos e as suas preocupações.
A evitar - ignorar as necessidades de protecção e tranquilidade
Estilo de Vida Saudável - Esta é uma oportunidade para revisitar e modelar boas práticas de higiene pessoal, alimentação saudável e sono regular. Assim como a actividade física, que é essencial para o desenvolvimento saudável e para o reforço do sistema imunitário. Cada vez mais as crianças passam demasiado tempo em frente a ecrãs. Uma actividade física reduzida, associada à falta de interacção social face a face, comprometem o desenvolvimento de várias competências.
A evitar - sedentarismo e perda de bons hábitos alimentares, de higiene e de sono
Falar - Temos de falar com as crianças sobre o que se está a passar sem alarmismos, mas também sem desvalorizar os acontecimentos. Particularmente quando fortes medidas de contenção são implementadas. Se não falarmos e partilharmos factos concretos deixamos espaço para que as crianças preencham o vazio com a sua imaginação. É comum, particularmente nas crianças mais novas, que estas façam apenas algumas perguntas ou comentários e de seguida voltem a brincar, regressando mais tarde com mais perguntas. A paciência e o cuidado com as manifestações de medo e de preocupação são fundamentais. As mensagens a transmitir passam por:
- Os adultos estão a trabalhar para resolver esta situação e estamos aqui para cuidar de ti e para te ajudar
- Há medidas que podemos tomar para evitar ficar doentes, como lavar as mãos e manter uma alimentação saudável
- Vamos aproveitar este tempo em casa para fazer várias coisas juntos
É muito importante prestar atenção ao que dizemos, e à forma como dizemos, nas ‘conversas de adultos’, que são sempre escutadas. Tudo o que possa fomentar medo, ansiedade ou preconceito face a outros tem de ser evitado. De igual forma, manifestações críticas sobre a forma como o assunto está a ser resolvido pelas autoridades de saúde e entidades políticas devem ser moderadas na presença de crianças para não fomentar confusão, desconfiança e medo. Lembremo-nos que, nesta fase, esta é uma questão técnica, e não política. Confiemos nos profissionais de saúde que temos em Portugal. Este também é o momento para ensinarmos as crianças a confiar na Ciência e na Medicina, percebendo as suas potencialidades e limitações.
A evitar - isolamento e ausência de diálogo
Gestão de rotinas - Na escola existem horários e rotinas a cumprir. É importante planear bem o dia-a-dia e prever um conjunto de actividades diversas para fazer em casa. Esse plano pode ser desenvolvido em conjunto. Podemos perguntar e incluir actividades que desejem fazer, mas também sugerir, por exemplo, fazer tarefas domésticas em conjunto, tais como: preparação de sopas, gelatinas ou arrumar brinquedos. Será de evitar que certas brincadeiras se prolonguem excessivamente sem controlo. Demasiadas horas em frente a um ecrã são vivamente desaconselhadas. É importante incentivar a acompanhar os trabalhos escolares e as actividades extracurriculares, mas sem pressão excessiva.
A evitar - juntos, mas sozinhos
Honestidade - Na ausência de informações concretas, as crianças costumam imaginar situações muito piores do que a realidade. Não devemos ignorar as preocupações, mas explicar que, neste momento, muito poucas pessoas neste país estão doentes com Covid-19. Pode-se dizer às crianças que esta doença se espalha entre pessoas que estão em contacto próximo - quando uma pessoa infectada tosse ou espirra. Os boatos e as notícias falsas podem causar desinformação e alarmismo. Manter algum distanciamento, aliado a uma perspectiva crítica face à corrente avassaladora de informação que circula, é essencial. Para isso, temos de manter um sentido de honestidade intelectual face ao que sabemos ou não sabemos e temos que procurar fontes credíveis de informação. Visite: www.dgs.pt
A evitar - negacionismo ou alarmismo
Internet, televisão e redes sociais - É fundamental limitar e monitorizar os tempos de visualização da televisão ou o acesso a informações na Internet e nas redes sociais. Conversemos sobre o facto de na Internet as informações poderem ser baseadas em boatos e informações imprecisas. Os canais de notícias são como um rio que flui constantemente. Podemos banhar-nos, por algum tempo, podemos ir lá buscar água, mas ninguém deve passar horas dentro de um rio: não é saudável. Devemos evitar assistir constantemente a actualizações sobre a Covid-19 porque isso pode aumentar a ansiedade em toda a família. Mudar de canal ou desligar a televisão pode ser recomendado. De igual forma, deixar crianças ou adolescentes demasiado tempo em frente a ecrãs é desaconselhado. É importante prestar atenção a acessos prolongados à internet, particularmente durante a noite, que alteram as rotinas de sono. A iniciativa Internet Segura tem um bom para Guia sobre Educação e os Novos Media.
A evitar - exposição excessiva a ecrãs
O confinamento em casa pode oferecer uma boa oportunidade para melhorar a interacção entre a família. Com tranquilidade e atenção, os laços familiares podem ser fortalecidos e e as necessidades psicológicas das crianças atendidas.