Com medo de uma “invasão”, Assembleia Municipal de Lisboa não deixou entrar cidadãos
Reunião desta terça-feira não teve público nas galerias e o dispositivo policial foi muito reforçado. À porta, famílias protestaram contra despejos da Câmara de Lisboa.
Os cidadãos foram esta terça-feira impedidos de assistir presencialmente à reunião da Assembleia Municipal de Lisboa, que decorreu à porta fechada. A mesa, liderada pelo socialista José Leitão, justificou a decisão com o coronavírus e com uma suposta ameaça de invasão das instalações. À porta do Fórum Lisboa estiveram concentradas várias famílias ciganas que contestam os despejos realizados no Bairro Alfredo Bensaúde na semana passada.
A informação de que a sessão seria fechada ao público foi comunicada aos jornalistas cerca das 14h, mas alguns deputados disseram ter sido apanhados de surpresa. Pelas 13h, referindo-se apenas ao coronavírus, José Leitão enviou um e-mail aos grupos parlamentares afirmando que estava “inclinado” a determinar o fecho das reuniões “já a partir de hoje”, mas pedia aos deputados que se pronunciassem “com a maior urgência”.
No plenário, o presidente da assembleia acrescentou outro motivo. “À semelhança do que hoje vai ser anunciado pela câmara, vai haver limitações nas sessões públicas por causa da ameaça do coronavírus. Mas no caso desta assembleia há uma questão suplementar. Fui informado de que há uma ameaça de invasão desta assembleia. Está a decorrer aliás nas redes sociais”, disse José Leitão.
A Câmara de Lisboa, que anunciou as suas medidas contra o coronavírus a meio da tarde, já depois desta discussão, não incluiu entre elas a limitação de assistir a reuniões da autarquia.
“A mesa, consultados os grupos parlamentares, vai realizar esta sessão com limitações de entrada, apenas estando presentes os membros do público que se inscreveram para falar”, anunciou o autarca. “Segundo informação da Polícia Municipal, a única forma de assegurar a segurança física do funcionamento desta assembleia é manter estas limitações.”
Vários deputados manifestaram-se surpreendidos com estas informações, até porque na porta da sala plenária esteve colado um cartaz que apenas mencionava a ameaça do coronavírus. “Isto não coincide com aquilo que o senhor presidente disse aqui. Tudo isto é muito estranho. A democracia tem regras”, afirmou Modesto Navarro, do PCP.
“Eu não tenho conhecimento do cartaz. Mando retirar o cartaz a quem o tenha colocado”, respondeu José Leitão. O presidente acrescentou que “só pouco antes da sessão” é que “a mesa teve conhecimento de que havia uma ameaça nas redes sociais” e que, perante isso, “pediu a presença do representante da Polícia Municipal”, que terá respondido que “não tinham condições de assegurar a segurança desta assembleia”.
Na porta do edifício da Av. de Roma, onde estiveram algumas dezenas de pessoas, foram colocadas grades e um dispositivo policial fora do comum. Várias famílias protestaram contra despejos no bairro municipal Alfredo Bensaúde, nos Olivais, onde na semana passada a polícia esvaziou 11 casas que tinham sido ilegalmente ocupadas.
O representante dos moradores que se manifestavam no exterior do edifício, que lá dentro usou da palavra, disse ao PÚBLICO que quando chegou à assembleia não havia mais ninguém à porta a não ser os agentes da polícia. Durante a sessão, Ivo Guerreiro notou a “situação desumana” por que estão a passar no bairro: dezenas de pessoas, onde se incluem crianças e bebés, estão dormir em carrinhas, tendas ou nos patamares dos prédios do bairro. Na semana passada, ele e outros moradores davam conta ao PÚBLICO de que os despejos tinham acontecido sem aviso prévio e que a autarquia não tinha dado qualquer alternativa de alojamento, nem permanente nem temporário. “Há muitas famílias que estão revoltadas e em desespero”, disse Ivo Guerreiro perante dos deputados municipais.
Outro membro da Comissão de Moradores Alfredo Bensaúde, José Lemos, também interveio na sessão, explicando que as famílias despejadas estão neste momento a viver em “11 barracas” no bairro. A alternativa habitacional oferecida foi, segundo disse o munícipe, “albergues cheios”. “Isto é um ciclo vicioso que nunca mais vais acabar. As pessoas são expulsas e passados dois meses está lá outro casal. É má gestão da Gebalis”, notou José Lemos, apelando à “humanidade” dos deputados: “Somos ciganos, sim, mas somos humanos acima de tudo”.
A decisão da mesa – constituída pelo PS, PSD e um independente – foi apoiada à direita e criticada à esquerda. “A mesa não é de um partido político, estão três forças políticas representadas na mesa. A decisão que a mesa tomou parece-nos não só adequada como em nada fere o funcionamento desta assembleia e a dignidade tanto dos eleitos como dos que têm de ter aqui espaço para intervenção pública e cívica”, argumentou Luís Newton, do PSD.
“Se há uma ameaça de tomada da assembleia pela força, nós temos de nos precaver”, afirmou José Inácio Faria, do MPT. Já Rui Costa, independente (ex-Bloco), disse que “nos termos da Constituição as reuniões dos órgãos deliberativos das autarquias locais são públicas” e que não ficaria na sala se a decisão avançasse mesmo. “Esta situação parece-nos um pouco rara. Não é aceitável o que se está a passar”, opinou também Isabel Pires, do BE.
Colocada à votação a pedido dos Cidadãos Por Lisboa, a decisão da mesa acabou por ser aprovada com os votos contra de PCP, PEV, BE e Rui Costa, a abstenção de seis independentes e o voto a favor de todas as outras forças políticas.