Advogado acusa Governo australiano de roubar recursos petrolíferos aos timorenses

Bernard Collaery escreveu um livro a denunciar a “diplomacia corrupta” de Camberra que “despojou os pobres de Timor de uma parte significativa dos seus activos soberanos não-renováveis” no Mar de Timor.

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Livro também acusa Austrália de "conivência" no "genocídio" levado a cabo pela Indonésia em Timor LUSA/NUNO VEIGA

Um novo livro da autoria do advogado australiano Bernard Collaery acusa o Governo da Austrália de pactuar com empresas petrolíferas para roubar recursos petrolíferos de Timor-Leste ao longo de décadas.

“Os timorenses foram enganados e continuam a ser enganados pelo Governo australiano”, disse à Lusa o advogado, autor do livro que será lançado a 10 de Março.

“Foram milhares e milhares de milhões de dólares desviados pelo Governo [do primeiro-ministro] John Howard e [do ministro dos Negócios Estrangeiros] Alexander Downer, em que o dinheiro foi para uma empresa norte-americana, a ConnocoPhillips, e para a Woodside, cuja maioria das acções são estrangeiras”, afirmou Collaery.

Actualmente a ser julgado na Austrália num caso relacionado com espionagem australiana em Díli – sobre o qual está impedido de falar –, o advogado considera que, em contraste com a solidariedade de muita gente na sociedade australiana, o Governo manteve, durante anos, uma “diplomacia corrupta”, com “erros e manipulações que devem chocar os australianos”.

A Austrália, escreve Collaery, “despojou os pobres de Timor de uma parte significativa dos seus activos soberanos não-renováveis” e, mesmo depois da independência, “considerou a ameaça de dificuldades económicas um instrumento legítimo de persuasão diplomática”.

“E quando os timorenses começaram a dar alguma luta, a Austrália recorreu às tácticas de um batoteiro sujo”, lê-se no livro, uma cópia avançada do qual foi dada à Lusa.

Neste trecho, Collaery refere-se à espionagem de que Camberra é acusada de realizar a Timor-Leste durante as negociações sobre o Mar de Timor quando, sob cobertura de um programa humanitário de obras no Palácio do Governo em Díli, instalou equipamento de escutas.

Quando isso foi descoberto, o Governo “invadiu a casa de um ex-agente do Serviço de Inteligência e Segurança Australiano (ASIS) que sem comprometer nomes ou técnicas usadas queria relatar provas de conduta ilegal” perante um tribunal arbitral internacional.

“Em absoluto desprezo pelo tribunal arbitral, o Governo australiano cancelou o passaporte da testemunha e ameaçou-o com um processo judicial”, refere.

“E sem ficar por aqui, o Procurador-Geral Federal emitiu o seu próprio mandado de acordo com as leis de segurança nacional introduzidos para combater terrorismo, para permitir a apreensão de documentos legalmente privilegiados dos escritórios do autor”, nota.

"Cúmplice” no genocídio

 Oil Over Troubled Waters (Petróleo em águas turbulentas) foi escrito por Collaery, um advogado australiano que deu assistência jurídica à resistência timorense durante décadas.

Ex-procurador-geral em Camberra, Collaery representou Timor-Leste junto do Tribunal de Justiça Internacional, no âmbito da disputa com a Austrália sobre fronteiras marítimas.

Ao longo de 465 páginas o autor descreve a forma como a Austrália, ao longo de décadas e de forma “oportunista”, acedeu a recursos que pertenciam a Timor-Leste.

Primeiro, evitando “a cooperação com Portugal como potência colonial em Timor-Leste” e depois com “conivência com a Indonésia no genocídio” da população timorense.

“Apesar de muitos australianos se recusarem a ouvir a palavra ‘genocídio’, a Austrália foi cúmplice durante muitos anos da violação, pela Indonésia, de normas legais fundamentais, não muito diferentes do genocídio arménio, 90 anos antes, ou da fome de nações ocupadas pela Alemanha de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial”, escreve.

"Roubo patrocinado pelo Estado"

Collaery sustenta que desde a segunda metade do século XX até agora, os principais partidos australianos, com poucas excepções, “abandonaram uma ordem baseada em regras para apoiar a exploração dos activos soberanos do petróleo de um vizinho pobre”.

Um “roubo patrocinado pelo Estado de activos timorenses” cujos beneficiários estão agora “espalhados no sector empresarial australiano”.

“Devemos resgatar a nossa consciência nacional estabelecendo um inquérito nacional independente em que os cúmplices, mortos ou vivos, são identificados, processados ou de outra forma envergonhados e despojados das suas honras”, escreve.

Collaery quer que se trate “justamente” o povo timorense e quer influenciar “os políticos de coragem e integridade a questionar a conduta dos seus colegas”, pelo que pede um inquérito oficial amplo sobre o assunto.

O advogado recorda que ele próprio foi alvo de escutas na sua casa e escritórios e que os seus arquivos foram confiscados, tendo em Dezembro de 2013 sido alvo de uma rusga por agentes secretos munidos de um mandato emitido “sob poderes para combater o terrorismo”.

Tratou-se, escreve, de um “registo abismal de erros geoestratégicos e compromisso de valores” adoptados por sucessivos líderes políticos australianos e que penalizaram Timor-Leste, com destaque para o ex-chefe da diplomacia, Alexander Downer que “se destacou por um sofismo vazio com política externa e interesses éticos a distanciarem-se”.

Downer e os seus conselheiros mais próximos, adoptaram uma estratégia distorcida pelo aliciante do petróleo, de tal forma que as empresas petrolíferas mais poderosas do mundo cativaram a política externa australiana face a Timor”.

O ex-ministro não passou de “pajem da Royal Dutch Shell, ConocoPhillips e Woodside”, escondendo aos timorenses as verdadeiras riquezas do Mar de Timor, permitindo que “ao longo dos anos uma cleptocracia intoxicada pelo petróleo transformasse o parlamento numa farsa que se limitava a carimbar licenças de roubo”.

E detalha o processo em que as Nações Unidas e a Austrália “privaram gerações de timorenses dos seus direitos”, actuando com má-fé com decisões que deveriam ser alvo de um inquérito judicial independente e julgamento.

“Este livro procura iluminar a razão ou as razões pelas quais um país civilizado como a Austrália se distanciou tanto e ao longo de muitos anos do Estado de direito e dos princípios fair-go defendidos pelos seus fundadores”, escreve.

“Uma política externa incompetente e manhosa, com políticas opressivas, que viram a Austrália perder qualquer papel que possa ter tido como exemplo de liderança democrática numa região onde quer ter lugar”, sublinha.