Novo Banco passa “Cabo das Tormentas” com prejuízo de 1058 milhões
O banco que sucedeu ao BES prolongou no ano passado a trajectória de prejuízos avultados que tem marcado a sua existência. Em 2019, o prejuízo foi de 1058,8 milhões de euros.
O Novo Banco fechou o exercício de 2019 com um prejuízo de 1058,8 milhões de euros, um desempenho que resultou dos resultados negativos do legado do BES (activos problemáticos) de 1236,4 milhões, atenuados pelos ganhos de 177,6 milhões obtidos na actividade recorrente (operação bancária, excluindo o legado do BES).
No comunicado divulgado ao mercado sobre as contas, a instituição liderada por António Ramalho justifica os resultados com as “perdas relacionadas com o processo de reestruturação e desalavancagem de activos não produtivos, designadamente os projectos Sertorius, Albatros e NATA II, e o processo de venda da GNB Vida”. Este processo de reestruturação de carteiras de créditos problemáticos é o que justifica o novo pedido de apoio público, no âmbito do Mecanismo de Capital Contingente, financiado pelo Fundo de Resolução, e que chegará este ano aos 1037 milhões de euros (dos quais, 850 milhões virão do Orçamento do Estado sobre a forma de empréstimo).
Os resultados do Novo Banco foram divididos pela equipa de gestão em duas unidades: a que gere os activos problemáticos ligados ainda à gestão de Ricardo Salgado (Legado); e a que diz respeito à actividade central da gestão bancária (Recorrente). Na base dos elevados prejuízos está o Novo Banco Legado, que continua a aproveitar a rede dada pelo Fundo de Resolução para “limpar” as contas. Nesse aspecto, em valores consolidados, o Novo Banco registou “um reforço de provisões no montante de 935,4 milhões de euros (225,5 milhões de euros face a 31 de Dezembro de 2018)”, revela a instituição em comunicado.
Deste total, “as imparidades e provisões incluem 732,9 milhões de euros relacionados com a actividade legacy, que representam 78% do total do grupo”. Este é o reflexo nas contas da venda de carteiras de crédito de grande dimensão a fundos internacionais, realizada a um preço muito reduzido face ao seu valor original e cujo remanescente é coberto por estas imparidades e provisões. É desta fatia que resulta as necessidades de injectar dinheiro público através do Fundo de Resolução para manter a solidez do Novo Banco nos níveis exigidos pelas autoridades nacionais.
Neste campo, o rácio de referência Common Equity Tier 1 (CET1) situava-se nos 13,5% no final do Dezembro de 2017 e o rácio de solvabilidade total nos 15,1%, “valores que representam um aumento face ao apurado no final de 2018”. Sobre este quadro de solidez, o banco confirma o que já tinha sido tornado público por Luís Máximo dos Santos, presidente do Fundo de Resolução, esta quarta-feira: “o montante de compensação a solicitar com referência a 2019, tendo em conta as perdas incorridas nos activos protegidos pelo Mecanismo de Capital Contingente e as exigências regulatórias respeitantes a rácios de capital em vigor no final de 2019 será de 1037 milhões de euros.”
Este novo pedido de ajuda soma-se aos 1149 milhões injectados este ano (para cobrir perdas de 1423 milhões em 2018) e aos 792 milhões do ano passado (para cobrir prejuízos de 2017), aproximando o total de apoio do Fundo de Resolução dos três mil milhões de euros, já perto de esgotar a rede de 3,9 mil milhões prevista no momento da venda. Desta factura, o Estado já previu 850 milhões de euros no OE 2020, que serão usados e que se irão juntar aos 1280 milhões de euros já injectados, divididos entre 850 milhões de 2019 e os 430 milhões do ano anterior. O resto é assumido pela banca.
A fotografia da actividade central do banco - emprestar dinheiro e gerir recursos de clientes - é igualmente contaminada pelo legado do BES na componente da concessão de crédito. Assim, “o crédito a clientes (bruto) registou uma quebra de 1658 milhões de euros face a Dezembro de 2018”, explica o banco, pormenorizando que “a redução observada no crédito a empresas no exercício de 2019 teve especial incidência no crédito não produtivo da actividade legacy, que decresceu 2841 milhões de euros”.
Já na actividade recorrente, “o volume de crédito cresceu 5,6%, registando-se aumentos nas carteiras de particulares e empresas”, tendo a carteira total, em termos líquidos, atingindo os 23.735 milhões de euros . E os recursos dos clientes cresceram ligeiramente (0,8%) para um total de 34.448 milhões de euros.
António Ramalho, no comunicado ao mercado, faz a sua síntese da actividade do banco: “o Novo Banco fechou o ano com um resultado recorrente muito positivo e um crescimento do negócio acima dos 5%. Foi um feito. Mas também foi um feito fazê-lo em simultâneo com uma redução de 3,3 mil milhões de euros de NPL [créditos problemáticos] e uma redução acima de 50% do seu balanço legado.”
Aos jornalistas, o antigo presidente da Infraestruturas de Portugal preferiu, segundo a Lusa, falar em “dar a volta ao Cabo da Boa Esperança em 2020” e referiu que o banco já não está “no Cabo das Tormentas”. Sobre as injecções de capital, sublinhou que "o modelo é de contingência, não é um modelo de prestações fixas. Desde a primeira hora, o nível de capitalização seria inevitável”, reconheceu o gestor, não vendo “nenhuma surpresa nas necessidades de capital do banco”.
Margem financeira cresce
No centro da actividade de qualquer banco está o produto bancário comercial, que no caso do Novo Banco cresceu 12,5% para os 864,1 milhões de euros, impulsionado não só pelo crescimento da margem financeira (a diferença entre o que o banco paga para ficar com depósitos e cobra para empresar dinheiro), mas também pelos serviços prestados aos clientes (comissões e gestão de carteiras).
No caso da margem financeira, o crescimento foi de 19% para 541 milhões de euros, ao passo que nos serviços cobrados aos clientes cresceram 3,1% para 323,5 milhões.
Contudo, o Novo Banco Legado continuou a condicionar a actividade central da instituição, nomeadamente nos resultados de operações financeiras, que foram negativos em 196,8 milhões de euros “reflexo das perdas decorrentes da actividade legacy (-269 milhões de euros)”, explica o banco.
Já no que diz respeito aos custos operacionais, assistiu-se em 2019 a uma redução de 1,8% “reflexo das melhorias concretizadas ao nível da simplificação dos processos e da optimização de estruturas com a consequente redução no número de balcões e de colaboradores”. Neste aspecto, “os custos da actividade legacy apresentaram uma redução significativa”.
Neste cenário, o número de trabalhadores diminuiu em 227 para 4869 postos de trabalho, enquanto os balcões encolheram de 402 no final de 2018 para 387 em 2019.