Quando o ódio está à venda na Amazon: organizações pedem, sem sucesso, retirada de livro infantil nazi e anti-semita
Um livro em especial está a motivar indignação, mas há mais obras do anti-semita Julius Streicher, condenado por crimes contra a humanidade em 1946. Holocaust Educational Trust e Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau põem Amazon em xeque.
O Holocaust Educational Trust denunciou na sexta-feira que o maior site de vendas online, a Amazon, tem à venda livros da autoria de membros do regime nazi e em particular um livro infantil de uma figura de topo do Terceiro Reich com texto e imagética anti-semita. A organização pedagógica britânica expôs no Twitter a carta que enviou à Amazon, tendo logo recebido o apoio de entidades como o Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau ou de personalidades como o ex-ministro das Finanças britânico Sajid Javid - mas a plataforma de Jeff Bezos prometeu apenas responder dentro de dias, depois de analisar a queixa.
A entidade britânica destaca um livro em especial, mas há vários do mesmo autor à venda em várias das lojas locais (Alemanha, Reino Unido, Espanha) da Amazon. Trata-se de Der Giftpilz, ou O Cogumelo Envenenado, um livro para crianças publicado em 1938 pelo fundador do jornal anti-semita Der Stürmer, Julius Streicher. O seu autor, que defendeu toda a sua vida o extermínio do povo judeu, foi condenado à morte em 1946 por crimes contra a humanidade na sequência dos julgamentos de Nuremberga, onde o livro foi mesmo apresentado como prova, como destacava sexta-feira o New York Times. As palavras de Streicher são até hoje citadas por organizações racistas como o Ku Klux Klan.
O livro continua à venda este sábado, com comentários de leitores indignados por terem comprado um livro ao engano como curiosidade ou o raro utilizador a elogiar o seu teor que incita ao ódio e repleto de estereótipos racistas anti-semitas. “Se pudesse dar zero estrelas, dava”, escrevia no final de Janeiro o cliente Curt A. Este livro anti-semita, odioso e ofensivo não tem lugar na Amazon. Se é por uma obsessão pelo seu valor histórico, deixem as pessoas encontrá-lo numa biblioteca”, recomenda.
A presidente do Holocaust Educational Trust escreve na carta enviada à Amazon que “este livro é obsceno. É preocupante que livrarias distintas como a Amazon disponibilizem produtos que promovem o discurso de ódio ou racista, sobretudo aquele que emana do mais negro período da história europeia”, argumenta Karen Pollock. “À medida que o Holocausto se afasta mais de ser história viva para ser História, os nossos sobreviventes falam regularmente do medo do negacionismo do Holocausto e da sua preocupação de que o anti-semitismo persista”, continua.
A ideia ofensiva do livro é que as crianças judias são como cogumelos venenosos aparentemente inofensivos e defende que os judeus são violentos e maltratam as outras crianças. É um livro “concebido para a lavagem ao cérebro de toda uma geração de crianças dizendo-lhes que os judeus são malvados por definição”, contextualiza Pollock num email enviado ao diário nova-iorquino.
Pouco depois de a carta do Trust ser publicada no Twitter, também o Museu erguido sobre os campos de concentração de Auschwitz e Birkenau ou o político britânico Sajid Javid juntaram as suas vozes aos apelos para que a Amazon deixe de vender este e outros livros do autor. Note-se que na página de Der Giftpilz há as habituais recomendações produzidas pelo algoritmo da Amazon e que assinalam que quem normalmente compra o livro infantil também adquire outros dois livros de Streicher como A Questão Judia na Sala de Aula ou Der Pudelmopsdackelpinscher, outro livro infantil publicado durante o Terceiro Reich e apresentado como “uma raridade” que compara vários animais perigosos a judeus. Estão também à venda e os comentários contêm várias críticas indignadas e um par de defensores do seu conteúdo racista.
A Amazon tem uma política contra produtos ofensivos mas, por questões ligadas à liberdade de expressão, exclui dessa parte dos seus termos e condições de venda, livros, música ou vídeo. O gigante das vendas online prometeu responder a Karen Pollock em três dias, mas num comunicado citado na imprensa britânica diz ser sensível “à questão da censura de livros ao longo da história - e não encaramos o tema com leveza”. “Acreditamos que é importante dar acesso à palavra escrita, incluindo livros que algumas pessoas possam considerar ofensivos, embora levemos a sério as preocupações do Holocaust Educational Trust e estejamos atentos ao seu feedback”, diz a empresa.
Neste contexto, diz Karen Pollock ao New York Times, “há uma diferença entre [um livro] estar disponível numa instituição educativa ou num museu e encontrar-se online no meio de brinquedos, prendas e trivialidades”. Os livros em causa não estão assinalados, este sábado, com qualquer informação adicional ou etiqueta que demonstre que se trata de propaganda nazi e anti-semita ou de mero valor documental histórico. No total, haverá quatro títulos de Streicher à venda na Amazon em várias línguas. Há também obras com enquadramento e análise, de historiadores, sobre a figura, sobre os julgamentos de Nuremberga ou até um documentário sobre “os arquitectos da escuridão” em que figura o alemão.
O livro, que está disponível na Amazon desde Julho de 2017, está também à venda noutros sites populares de vendas online como o eBay ou o Book Depository. Em Julho do ano passado, a Amazon e outros sites como o norte-americano Walmart ou a livraria Barnes and Noble foram criticados por terem à venda o livro de Adolf Hitler Mein Kampf com um texto promocional contendo temas de supremacia racial, como noticiaram na altura a Newsweek e o Huffington Post.
A própria Amazon já enfrentou críticas deste género recentemente, tendo mesmo retirado alguns títulos das suas prateleiras digitais. Foi o caso de obras do fundador do Partido Nazi Americano, George Lincoln Rockwell, ou do ex-líder da organização vigilante racista Ku Klux Klan, David Duke. Também não é a primeira vez que é pedido à Amazon que retire O Cogumelo Venenoso - o produtor do filme Auschwitz: The Final Witnesses, Sheldon Lazarus, denunciara já o caso em Janeiro ao tablóide britânico Daily Mail. Mais fácil e rápido foi pôr fim à venda de objectos como ornamentos para a árvore de Natal com imagens de campos de concentração, como aconteceu em Dezembro último.