Inércia e impunidade favorecem abusos sexuais no Afeganistão

Activistas têm sido perseguidos por denunciarem casos de abuso sexual — um dos casos envolve dirigentes da Federação Afegã de Futebol e outro envolve professores e agentes da polícia.

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Denunciar abusos sexuais no Afeganistão continua a ser difícil, diz a Human Rights Watch BAZUKI MUHAMMAD/REUTERS

A organização humanitária Human Rights Watch (HRW) emitiu esta quinta-feira um comunicado que denuncia a inércia das autoridades afegãs no julgamento de dirigentes com peso político acusados de abuso sexual, no seguimento de dois casos recentes.

No primeiro caso, que envolve dirigentes da Federação Afegã de Futebol, uns acusados de abusarem sexualmente de jogadoras e outros de ajudarem a encobrir o crime, as autoridades afegãs ainda não fizeram detenções. 

No segundo caso, as autoridades da província de Logar, no leste do país, estão a tentar encerrar uma investigação de abuso sexual a centenas de estudantes, e ameaçaram os activistas que denunciaram a situação.

“Denunciar a violência sexual no Afeganistão tem sido difícil, mas os problemas são ampliados quando os suspeitos são figuras importantes”, diz Patricia Grossman, directora associada da Human Rights Watch na Ásia.

“Estes dois casos terríveis são um teste ao compromisso do governo afegão para acabar com a impunidade relativamente aos crimes sexuais”, continua Grossman.

Activistas que denunciaram rede de pedofilia alvos de represálias

Em Novembro de 2019, um grupo de activistas afegão divulgou provas de que alguns dirigentes de Logar, incluindo professores e agentes da polícia, abusaram sexualmente centenas de rapazes em escolas públicas.

Os activistas revelaram terem recebido ameaças na rede social Facebook, algumas vindas de dirigentes locais, na sequência de uma reportagem do jornal britânico The Guardian, onde foi denunciada uma rede afegã de pedofilia possivelmente responsável pelo abuso de 500 rapazes.

A Direcção de Segurança Nacional (DSN), a agência de inteligência do Afeganistão, deteve dois activistas que divulgaram os abusos. Mais tarde, a DSN divulgou um vídeo que mostra um dos activistas a desculpar-se pela denúncia.

Os activistas acusados acabaram por ser libertados e, consequentemente, abandonaram o país. Ainda assim, continuam a receber ameaças.

Apesar da Procuradoria-Geral afegã ter iniciado uma investigação às acusações em Logar e 18 pessoas terem sido detidas, nenhum dos membros da polícia ou dirigentes locais acusados de serem responsáveis pelos abusos foi responsabilizado.

Os activistas disseram à HRW que as autoridades locais estão a tentar encerrar a investigação, e algumas missões diplomáticas em Cabul mostram-se preocupadas com a pressão política para acabar com a investigação.

As autoridades afegãs não instituíram nenhuma medida que proteja as vítimas nem as testemunhas, que podem ser alvo de retaliação por parte dos agressores.

“Centenas de crianças podem ter sido abusadas sexualmente em Logar [e], no entanto, as autoridades governamentais estão a tentar encerrar o caso e não dão apoio às vítimas”, diz Grossman.

Presidente da Federação Afegã de Futebol acusado de abusar jogadoras

Relativamente ao outro caso de abuso sexuais, as autoridades afegãs também não avançaram na investigação de múltiplos casos de alegados crimes sexuais a jogadoras de futebol pelo antigo presidente da Federação do país, Keramuddin Karim.

Noutra reportagem do jornal The Guardian, de Novembro de 2018, foram trazidos a público testemunhos detalhados de vinte jogadoras que alegam ter sido vítimas de repetidos abusos sexuais perpetrados por Karim, desde 2016.

No seguimento de relatórios dos media o governo afegão começou a investigação e, no dia 8 de Junho de 2019, a Federação Internacional de Futebol (FIFA), emitiu uma interdição vitalícia a Karim.

No dia seguinte, o procurador-geral do Afeganistão emitiu um mandado de captura de Karim, que até à data ainda foi não detido. “O governo do Afeganistão falha às mulheres cada dia que passa em que Karim não está preso”, diz Grossman, acrescentando que “as autoridades também têm de investigar os dirigentes da federação de futebol que facilitaram e ajudaram a encobrir os abusos”