Direcção do CDS não consegue segurar Abel Matos Santos
Outro elemento da Tendência Esperança em Movimento, eleito para a comissão política, também vai sair da comissão política nacional, afirmando “não pactuar com uma campanha indecente” contra o dirigente.
A pressão pública (e interna) acabou por precipitar a demissão de Abel Matos Santos da nova direcção do CDS liderado por Francisco Rodrigues dos Santos. A saída deste dirigente, anunciada nesta terça-feira, não será a única. Outro dos elementos da corrente interna fundada pelo dirigente, a Tendência Esperança em Movimento (TEM), também vai deixar os órgãos nacionais por solidariedade e há outro membro em reflexão sobre a decisão a tomar.
A divulgação de frases antigas de Abel Matos Santos, com elogios a Salazar, à PIDE e uma referência a Aristides Sousa Mendes como Agiota de judeus”, está a ser vista como um ataque ao novo líder lançado por apoiantes de candidatos derrotados no congresso, mas para já a direcção - que foi surpreendida pelas revelações - não quer alimentar a polémica.
Luís Gagliardini Graça, que foi indicado pela TEM e eleito para a comissão política nacional na lista de Francisco Rodrigues dos Santos, também se demite por “não pactuar com uma campanha indecente contra a dignidade e o carácter de um homem” por quem tem “muito respeito”. Em declarações ao PÚBLICO, o democrata-cristão diz ser “absolutamente solidário nas alegrias e também nos momentos menos felizes”.
Nos últimos anos, Abel Matos Santos, que foi dirigente da concelhia de Lisboa, promoveu a reaproximação de Manuel Monteiro ao CDS, sobretudo através de conferências e de pressão pública para o regresso do ex-líder ao partido. Essas iniciativas (e o facto de a tendência assumir posições mais conservadoras) desagradavam à ala mais próxima de Paulo Portas que dominava a anterior direcção do CDS, e que perdeu poder no congresso de 25 e 26 de Janeiro. É neste sentido que a divulgação de posições antigas de Abel Matos Santos, logo na primeira semana após a eleição do novo líder, é vista como um ataque directo a Francisco Rodrigues dos Santos.
Lançada em meados de 2017, a TEM apresentou-se como o “lobby da democracia-cristã” dentro do CDS (liderado por Assunção Cristas), que considerava que o partido estava descaracterizado face aos seus valores fundadores. Abel Matos Santos tornou-se o porta-voz da tendência e acabou por formalizar esta corrente interna, ao contrário da de Filipe Anacoreta Correia (à qual, aliás, pertencia Abel Matos Santos) que nunca se oficializou junto dos órgãos do partido.
Com a formalização, a TEM passou a ter um lugar na comissão política nacional,como estabelecem os estatutos. Curiosamente, essa norma de reconhecimento de tendências foi criada na liderança de Paulo Portas para acolher a criação de movimentos internos (uma corrente liberal como chegou a ser pensado, por exemplo) e que acabou por não ser usada nessa altura para esse efeito.
Com um lugar na comissão política nacional e a eleição de alguns nomes para o conselho nacional em 2018, Abel Matos Santos foi-se tornando uma voz crítica da liderança de Assunção Cristas. Até que, depois do desaire eleitoral das legislativas, o dirigente avançou com uma candidatura própria à liderança, com a missão de mudar o CDS bem como de renovar os rostos dos últimos anos.
No congresso, Abel Matos Santos desistiu da sua moção e apoiou Francisco Rodrigues dos Santos. Dessa união resultaram listas conjuntas para os órgãos nacionais. Além de Luís Gagliardini Graça foram também eleitos pela TEM Joana Bento Rodrigues, que faz parte da mesa do conselho nacional, e Sara Sepúlveda da Fonseca, que foi eleita para o conselho nacional. Esta conselheira nacional, contactada pelo PÚBLICO, admitiu estar em reflexão sobre a decisão a tomar, depois da saída de Abel Matos Santos.
Em causa estão notas publicadas no Facebook, entre 2012 e 2015, recuperadas por notícias do Expresso, em que Abel Matos Santos defendeu Salazar, a PIDE e chamou “agiota de judeus” a Aristides Sousa Mendes, o cônsul de Portugal em Bordéus que ajudou a salvar milhares de judeus durante a II Guerra Mundial.
Depois de a Comunidade Israelita de Lisboa ter condenado estas declarações, o dirigente apresentou “formalmente” um pedido de desculpa, salientando ter “o maior respeito e admiração pelo povo judeu”. “Conheço o sofrimento que milhões de judeus sofreram ao longo da História, partilho genuínos sentimentos de solidariedade e honro a memória dolorosa do Holocausto, ainda recentemente celebrada no 75.º aniversário da libertação de Auschwitz”, escreveu numa nota no Facebook, acrescentando ser “convictamente, por formação humana, um adversário político do anti-semitismo e do negacionismo”. O esclarecimento não foi suficiente para António Pires de Lima, ex-ministro de Paulo Portas, que pediu que fosse retirada a confiança política ao dirigente.
Depois de, num primeiro momento, a direcção de Francisco Rodrigues dos Santos ter segurado o dirigente recém-eleito no congresso, a saída acabou por ser inevitável, tendo em conta os danos que se considera estarem a ser infligidos ao partido.
Numa das primeiras iniciativas públicas desde que foi eleito, o líder do CDS reuniu-se nesta terça-feira com o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, e, no final, quis abordar um dos temas caros ao partido: a eutanásia. Rodrigues dos Santos sustentou que o debate está “altamente enviesado” e que devia começar com o “Estado cuidador”, que “olha para os mais débeis” da sociedade.
A direcção quer fazer passar as mensagens do partido e evitar querelas internas, mas ao que o PÚBLICO apurou está consciente de que os próximos tempos não serão fáceis para Francisco Rodrigues dos Santos.