Os “vistos gold” só brilham em Lisboa
Se os deputados do PS nos querem convencer de que se preparam para fazer mudanças na actual regulamentação para combater a especulação imobiliária, então têm de nos explicar por que não se limitam a retirar só a Área Metropolitana de Lisboa dos territórios onde já não serão possíveis investimentos imobiliários
Num mundo bem mais próximo do ideal, os “vistos gold” não existiam. Uma pessoa não deveria ter o direito de passar para a frente da fila para obter autorização permanente de residência ou para chegar à nacionalidade, simplesmente, porque tem mais dinheiro do que as outras. Desde logo, levantam-se questões de princípio, mas também de segurança, corrupção, evasão fiscal e lavagem de dinheiro.
Mas no mundo real há 20 Estados-membros da União Europeia que mantêm esquemas similares ao português e um país que tem muitas dificuldades em captar investimento internacional, para o qual 4992 milhões de euros não são de desperdiçar. Mas nada disto retira, pelo contrário amplia, a necessidade de que este dossier, que até já fez cair um ministro em Portugal, seja tratado com todo o cuidado. Para isso, é necessário conhecimento e transparência, coisas que têm faltado.
Às preocupações exibidas por muitos, especialmente pela Comissão Europeia, que defende regras comuns para o espaço da UE, as autoridades portuguesas têm sistematicamente respondido com uma atitude de opacidade que só a muito custo tem sido possível contrariar. Algo que a actual oportunidade para legislar deveria pôr cobro, até porque Portugal tem sido apontado como um mau exemplo, nomeadamente no controlo da proveniência do dinheiro investido.
Com o trabalho deste domingo do PÚBLICO, também se fica a perceber que, no que respeita ao conhecimento, o domínio do dossier também deixa muito a desejar. Se os deputados do PS nos querem convencer de que se preparam para fazer mudanças na actual regulamentação para combater a especulação imobiliária, então têm de nos explicar por que não se limitam a retirar só a Área Metropolitana de Lisboa (AML) dos territórios onde já não serão possíveis investimentos imobiliários.
De facto, confirmando e reforçando a macrocefalia nacional (alguém ainda se lembra do Infarmed?), a AML ficou com 71% do total dos vistos ligados ao imobiliário, enquanto, por exemplo, a Área Metropolitana do Porto, que se prevê vir a ficar excluída, se ficou por 1%.
A bondade do argumento de maior coesão territorial, por reforçar o investimento no interior, também deixa muito a desejar, se pensarmos que o investimento imobiliário é muito pouco reprodutivo em zonas de baixa densidade, onde, sem grande imaginação, poderemos pensar que muitas propriedades disponíveis podem até nem ser de quem lá reside. E, com a obrigação de só permanecer sete dias por ano em território nacional, também não se entende como isso fixará novos residentes.
Será pedir muito ao PS para que tenha maior clareza e inteligência na gestão deste dossier?