Lojas fechadas, indústria parada: medo do coronavírus põe economia chinesa de quarentena
Grandes cadeias como a Ikea, Starbucks ou McDonald’s reduziram a actividade. Sector automóvel prolonga férias. Coronavírus evidencia como economia mundial depende da China.
Os receios de contágio do coronavírus estão a evidenciar como o mundo depende da segunda maior economia do planeta. Não são só as ruas de Wuhan, uma cidade de 11 milhões de pessoas que ficou com ruas desertas pela quarentena, como mostram imagens de satélite, onde indústria e negócios estão a parar ou a fechar.
Por toda a China há serviços, comércio e fábricas a mandar trabalhadores para casa. E nos EUA e no Japão já se fala em danos económicos superiores aos dos causados pela chamada “gripe das aves”, o surto do vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), que afectou a China em 2002/2003.
O Google mandou fechar os quatro escritórios que tem na China continental, em Hong Kong e Taiwan. Os trabalhadores farão o serviço a partir de casa. O Facebook também desaconselhou viagens à China ou no interior do país.
A Tesla encerrou a fábrica que construiu e inaugurou há pouco tempo em Xangai. O Ikea mandou os trabalhadores de 30 lojas para casa e o Starbucks mantém fechadas mais de 2000 lojas – cerca de metade dos 4292 estabelecimentos que tem no país. Na restauração, também as cadeias McDonald's, KFC e Pizza Hut encerraram milhares de lojas pelo país, diz a CNN. A Toyota também não está em laboração, assim como a Ford. Os parques da Disney em Xangai e Hong Kong ficaram vazios e a Cidade Proibida, em Pequim, é um dos muitos locais turísticos ou museus que estão fechados.
Todos estes casos estão a ser reportados por agências como a Reuters e por diferentes órgãos de comunicação social no mundo. Na agência oficial chinesa Xinhua, nem uma linha sobre estes encerramentos temporários.
Em Washington, o presidente da Reserva Federal dos EUA, Jerome Powell, mostra-se preocupado com a “factura”.
“A economia da China é muito importante para a economia mundial e quando a da China abranda, nós também sentimos isso – ainda que menos do que os países mais próximos da China, ou que têm mais negócios com a China, como certos países do ocidente europeu”, disse Powell, na quarta-feira à noite, numa conferência de imprensa. “Haverá certamente impactos de curto prazo para a China. Teremos de esperar para ver que efeito terá no resto do mundo”, acrescentou.
A síntese no New York Times ilustra bem a situação com dois títulos: o coronavírus "reavivou os medos da economia mundial” e é “um teste à dependência do mundo em relação à China”. Fora desse país, o que mais se sente são interrupções nas cadeias de abastecimento, encerramentos temporários e redução dos fluxos turísticos.
Na China, a General Motors e a Nissan vão prolongar até 3 de Fevereiro as férias dos trabalhadores, que interromperam a laboração devido às celebrações do Ano Novo (25 de Janeiro). Toyota e Ford estenderão essa interrupção por uma semana mais do que esses concorrentes.
A cidade de Wuhan, posta sob uma rígida quarentena, é o destino de cerca de um terço de todo o investimento francês na China. Com um tamanho equivalente a dez vezes o da área metropolitana de Londres, é vista como um ponto central da rede de transportes e muito procurada pelo sector automóvel. O grupo PSA (Citroën-Peugeot, dona de marcas como a Opel e que se fundiu com a Fiat-Chrysler) tem cerca de 2000 trabalhadores em Wuhan. Repatriou 38 estrangeiros e estabelecu um gabinete de crise para manter Paris e Wuhan em ligação permanente enquanto durar a crise.
A Apple é outra empresa norte-americana que já sente os efeitos das medidas de contenção postas em marcha na China para baixar os riscos de contágio. Os fornecedores chineses da marca norte-americana de equipamentos electrónicos vão continuar fechados até 10 de Fevereiro, disse o actual CEO, Tim Cook. Na Tesla, foi o responsável pelas finanças da empresa a confirmar que a fábrica de Xangai teve de fechar por ordem do governo de Pequim, que impôs restrições de circulação de pessoas e de transportes públicos, para evitar que o coronavírus se espalhe.
Com 170 mortes confirmadas e mais de 7800 casos reportados na China e noutras regiões do globo, o vírus detectado em Dezembro levou companhias aéreas como a British Airways ou a Air Canada a interromper os voos regulares de e para a China. Imagens de satélite reveladas nesta quinta-feira pela Reuters mostram como locais de Wuhan habitualmente movimentados estão praticamente desertos. Mesmo assim, é impossível travar a deslocação de toda a gente – e a Índia acaba de confirmar o primeiro caso de infecção, uma mulher residente no estado de Kerala, no sul do país, que estuda na Universidade de Wuhan.
Em Tóquio, o vice-governador do Banco do Japão mostrou como muitos responsáveis políticos mundiais estão nesta altura a fazer contas à vida. “Estamos a acompanhar com muita atenção todos os desenvolvimentos, incluindo uma avaliação sobre a dimensão do impacto”, disse Masayoshi Amamiya, durante um seminário na capital japonesa. Para o primeiro-ministro Shinzo Abe, a repercussão imediata é no turismo, dadas as restrições de viagens na China, que representa 30% da entrada anual de turistas no Japão e 40% das receitas com turismo.
As visitas a Macau, diz a Lusa, caíram 70% face ao ano anterior neste período, que costuma ser de grande afluência turística.
Os receios com a doença têm causado instabilidade reflectida nas bolsas asiáticas que fecharam nesta quinta-feira no vermelho. O Nikkei caiu 1,72%, Xangai desceu 2,75% e Hong Kong registou uma descida de 2,62%.
Para a agência S&P, “além do risco para vidas humanas, [o coronavírus] vai ter impacto no turismo e no consumo. Num cenário de contágio em larga escala, poderá enfraquecer o crescimento económico e os orçamentos dos governos asiáticos”.
O homem mais rico da China, Jack Ma, dono da Alibaba, doou cerca de 14 milhões de euros para investigação científica e médica contra a doença que agora preocupa autoridades em todo o mundo. Há de resto esforços vindos do mundo tecnológico no combate à doença e ao medo.
A Didi (uma espécie de Uber) está a ajudar a transportar equipas médicas entre cidades, ao passo que a Tencent, em Shenzhen (sede da Huawei) lançou um mapa clínico que permite aos utilizadores da sua aplicação mais popular, o WeChat (uma espécie de WhatsApp chinês) a localizar a clínica mais próxima.
Já o motor de busca Baidu está a ajudar a mapear casos de infecção e o movimento de pessoas pelo país, enquanto o líder mundial de inteligência artificial, a SenseTime (em Hong Kong), está a desenvolver um algoritmo que permite detectar pessoas com febre no meio de uma multidão. Os produtos da SenseTime são muito usados em sistemas de vigilância.
Num país que tem tantos robôs industriais como os EUA e a Europa juntos, a TmiRob, que produz robôs para a área médica, colocou autómatos em hospitais em Wuhan e Xangai, segundo o jornal Nikkei Asia Review. Estes robôs ajudam em tarefas de esterilização, entrega de medicamentos e medição de temperaturas em pessoas.