Atraso no Parlamento angolano pode pôr em causa as autárquicas em 2020
Processo arrasta-se na Assembleia Nacional e protesto foi recebido com detenções. Cientista político diz que a responsabilidade não é do Governo. Activista fala em “violações em série dos direitos humanos”.
Para os activistas que, na quinta-feira, junto ao edifício do Parlamento em Luanda, tentaram organizar uma manifestação de protesto pelo atraso na aprovação do pacote legislativo sobre a criação das autarquias em Angola e foram impedidos e levados pela polícia, o Governo de João Lourenço mostrou que a sua forma de actuar é semelhante ao Executivo liderado pelo seu antecessor, José Eduardo dos Santos.
“Aos olhos de todos nasceu um tirano, um homem metódico e calculista que vive confundindo a opinião pública internacional com uma suposta abertura no sistema apodrecido angolano”, escrevia, esta sexta-feira no Facebook, o activista político Hitler Samussuku, um dos cerca de 50 detidos pela polícia e que passou várias horas na esquadra sem explicação.
“Há claramente um combate à corrupção, mas há, simultaneamente, violações em série aos direitos humanos”, acrescentou o activista, enumerando uma série de outras manifestações que acabaram da mesma forma, com a polícia a deter os manifestantes, impedindo a realização dos protestos.
A manifestação desta quinta-feira, convocada pelo movimento Jovens pelas Autarquias, com o apoio de outras cinco associações (Plataforma Cazenga em Acção – Placa, Núcleo Belas, Lauleno, Mizangala Tu Yeno Kupolo e o Projecto Okulinga), também não chegou a acontecer, impedida por um enorme aparato policial.
Samussuku, que pertencia ao grupo dos 15+2, presos em 2015 e condenados por “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”, considera a actuação da polícia na quinta-feira como mais um exemplo da “política do big stick” do Governo de João Lourenço: “Fale suave, mas tenha nas mãos um grande porrete que será bastante útil”.
O atraso no processo de aprovação do pacote legislativo (duas leis já passaram, mas outras três estão em discussão na especialidade desde a anterior legislatura) levou o líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, principal partido da oposição em Angola, a acusar o Governo e o MPLA de “falta de seriedade” e de quererem “adiar as eleições”, durante uma recente marcha em Luanda. Se até Março os deputados não aprovarem todo o pacote legislativo, estarão a ir “contra a vontade do povo”, afirmou
No entanto, o cientista político angolano Carlos Pacatolo, em declarações ao PÚBLICO, considera que se não se realizarem eleições autárquicas este ano, como estava previsto, “a responsabilidade será atribuída à Assembleia Nacional, onde estão representados cinco partidos”, mas, “dificilmente, a responsabilidade será imputada ao Executivo”.
Além disso, o atraso não é irreversível. “Havendo firmeza na decisão da realização das eleições este ano, há tempo para aprovação da legislação em falta; há tempo para a convocação das autárquicas para Agosto ou Setembro, isto é, na época seca, período habitual em que o ocorrem as eleições em Angola”, acrescentou Pacatolo, director-geral do Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela.
Em relação às manifestações a favor da criação das autarquias e da marcação das eleições, o investigador angolano tem dúvidas que possam pressionar o suficiente para alterar a situação. “Não me parece que tenham poder suficiente para mudar alguma coisa”, disse Pacatolo, que considera tratarem-se mais de momentos para “marcar existência mediática”.