Novo coronavírus: 20 perguntas sobre o que se sabe (e não sabe)
O novo coronavírus foi identificado a 7 de Janeiro pelas autoridades chinesas e já infetou milhares pessoas e causou algumas centenas de mortes. Organização Mundial de Saúde diz que não se trata de uma pandemia. Informação actualizada a 4 de Fevereiro.
No final do ano passado surgiu o alerta: várias pessoas estavam infectadas com o vírus que ainda não se conhecia, responsável por problemas respiratórios. No início de Janeiro as autoridades de saúde chinesas isolaram um novo coronavírus. Ainda há muita informação que é preciso apurar, como a fonte de infecção e a forma mais detalhada de como se dá a transmissão pessoa a pessoa.
A 30 de Janeiro a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública internacional, mas opõe-se a restrições de viagens e de trocas comerciais. Esta terça-feira, a OMS afirmou que não se trata de uma pandemia mas de uma epidemia com múltiplos surtos. Milhares de pessoas já foram infectadas e algumas centenas morreram.
O PÚBLICO consultou a informação disponível na OMS, no Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) e na Direcção-Geral da Saúde portuguesa e faz-lhe um ponto da situação sobre o que já se sabe e ainda não.
O que são coronavírus?
Os coronavírus (CoV) são uma grande família de vírus que causam doenças respiratórias, que podem ir desde uma simples constipação a situações mais graves como a síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS-CoV) e a síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV), explica a OMS. Visto ao microscópio, os coronavírus parecem ter uma coroa de espinhos à sua volta e daí este nome.
Por que se diz que este é um novo coronavírus?
Porque até agora esta estirpe ainda não tinha sido identificada. Desde que surgiram os primeiros casos de infecção, no final de 2019 na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, vários cientistas estudaram o genoma deste novo coronavírus (2019-nCoV). Ao que foi possível concluir, tem uma semelhança com o vírus da SARS na ordem dos 89%.
Como se dá a transmissão?
Sabe-se que os coronavírus são transmitidos entre animais e pessoas. No caso da SARS, a transmissão foi através de gatos da cidade e na MERS através de dromedários. Segundo informação no site da OMS, há vários coronavírus identificados em animais em que ainda não houve transmissão para pessoas.
Sobre o novo coronavírus (2019-nCoV) a fonte de infecção ainda é desconhecida e por isso o ECDC admite que possa estar activa.
Quando e onde foram detectados os primeiros casos do novo coronavírus?
A 31 de Dezembro do ano passado, a OMS foi informada pelas autoridades chinesas da existência de casos de pneumonia de origem desconhecida. Foram detectados na cidade de Wuhan. O novo coronavírus foi identificado pelas autoridades chinesas a 7 de Janeiro. Nessa altura, as autoridades falavam em pelo menos 59 pessoas com a doença. A maioria dos casos está epidemiologicamente associada a um mercado específico de alimentos e animais vivos (peixe, mariscos e aves) em Wuhan. O mercado foi limpo e encerrado ao público a 1 de Janeiro.
É este novo coronavírus comparável à SARS ou à gripe sazonal?
Para já, a taxa de letalidade do novo coronavírus tem oscilado entre os 2% e os 3%.
O ECDC recorda que a informação sobre o 2019-nCoV ainda é limitada, mas que no caso da SARS, epidemia que surgiu no final de 2002 também na China, o vírus infectou mais de 8000 mil pessoas em 33 países em oito meses. Registaram-se 774 mortes, o que representou uma taxa de letalidade de 10%. Na MERS, identificada em 2012 na Arábia Saudita, a taxa de letalidade está estimada em 35%.
Em comparação com a gripe, apesar de apresentar os mesmos sintomas, “os dois vírus são muito diferentes e, consequentemente, comportam-se de maneira diferente”, explica o ECDC, que estima que anualmente morram prematuramente até 40 mil pessoas na região europeia por causas associadas à gripe. Só em Portugal na época gripal de 2018/2019 morreram cerca de 3000 pessoas.
Há transmissão de pessoa para pessoa?
As autoridades de saúde chinesas confirmaram que o vírus é transmissível entre humanos, embora os mecanismos ainda não sejam totalmente conhecidos. Ainda não há informação suficiente para determinar quão fácil e sustentável é a transmissão de pessoa para pessoa. Ao PÚBLICO, a DGS já tinha explicado que a “transmissão pessoa-a-pessoa sustentada significa que se formam cadeias de transmissão da infecção que vão progressivamente originando casos secundários, terciários e assim sucessivamente”.
Qual o período de incubação da doença?
A DGS explicou ao PÚBLICO que, “segundo a OMS, é, em média, de 7 dias podendo estender-se de dois a 12 dias”. Mas pode chegar aos 14 dias. Actualmente há indicação que o vírus pode ser transmitido mesmo antes de a pessoa infectada apresentar sintomas.
Qual o modo de transmissão?
Segundo a OMS, este é um vírus respiratório “que se espalha principalmente pelo contacto com uma pessoa infectada através de gotículas respiratórias geradas quando uma pessoa, por exemplo, tosse ou espirra, ou através de gotículas de saliva ou secreção nasal”.
Informações preliminares indicam que o novo coronavírus pode sobreviver algumas horas em superfícies. Perante casos suspeitos ou confirmados deve ser usada uma solução desinfectante para limpar as superfícies.
Que células são afectadas?
Numa entrevista ao PÚBLICO, o pneumologista e representante da Ordem dos Médicos para as questões ligadas ao novo coronavírus Filipe Froes explicou que as células afectadas são as do aparelho respiratório. “O principal elemento de ligação para entrar nas células é, provavelmente, um receptor chamado ACE2, que é um receptor mais predominante no aparelho respiratório inferior”, explicou, referindo que não se sabe para já se existe outro receptor.
Que sintomas provoca?
Os sinais mais comuns incluem febre, tosse, falta de ar e dificuldades respiratórias, segundo a OMS. Em casos mais graves, a infecção pode causar pneumonia, síndrome respiratória aguda grave, insuficiência renal e a morte.
Há grupos em maior risco de contágio?
Pessoas de todas as idades podem ser afectadas, mas até ao momento, do que se sabe, têm sido as pessoas mais idosas e/ou com doenças crónicas como diabetes, hipertensão ou doenças cardíacas as que têm desenvolvido quadros mais graves da doença.
Existe algum tratamento ou vacina?
Não existe para já nenhum tratamento específico para esta infecção. O que está a ser feito é dar cuidados de suporte, como oxigénio, gestão de fluidos e antivirais para evitar o surgimento de outras infecções e manter o doente estável. As autoridades chinesas estão a trabalhar na criação de uma vacina, que dizem estar já a testar. Mais laboratórios estão a trabalhar no mesmo.
Como prevenir o contágio?
A DGS recomenda aos viajantes que evitem o contacto próximo com pessoas que tenham sinais de infecções respiratórias; lavar frequentemente as mãos, especialmente após contacto directo com pessoas doentes; evitar contacto com animais; tapar o nariz e boca quando espirrar ou tossir com lenço de papel ou com o braço e lavar as mãos sempre a seguir. “Viajantes com história de viagem ou permanência nas áreas afectadas nos últimos 14 dias que apresentarem febre, tosse e eventual dificuldade respiratória, deverão, antes de procurarem os serviços de saúde, ligar para o SNS24 — 808 24 24 24”, recomenda a DGS.
Deve usar-se máscara?
O uso de máscara pode ajudar a limitar a propagação da doença ao servir de barreira à emissão de gotículas. Contudo, a OMS recomenda o uso de máscaras se tiver sintomas respiratórios, suspeitar que pode estar infectada ou se tiver estado com alguém suspeito de estar infectado.
É seguro receber encomendas da China?
Sim, diz a OMS. “Por experiência com outros coronavírus, sabemos que esses tipos de vírus não sobrevivem muito a objectos, como cartas ou pacotes”, explica. O ECDC acrescenta que “não há evidências de que produtos alimentares importados para a União Europeia, de acordo com os regulamentos de saúde pública e animal aplicáveis que regem as importações da China, representem um risco para a saúde”.
Há cidadãos estrangeiros a ser retirados da cidade de Wuhan?
No final de Janeiro o Mecanismo Europeu de Protecção Civil foi activado, a pedido de França. Vários países, incluindo Portugal, retiraram cidadãos que estavam a viver na cidade Wuhan, que é o epicentro da epidemia. O grupo de 20 cidadãos que chegou a Portugal — onde se incluem duas cidadãs de nacionalidade brasileira — está em quarentena voluntária no Hospital Pulido Valente e no Parque Saúde, em Lisboa.
O que tem sido feito para controlar a transmissão?
A DGS resume que desde 23 de Janeiro e por decisão das autoridades chinesas foram cancelados todos os voos e transportes públicos na cidade de Wuhan, província de Hubei. Também noutras cidades vizinhas foram implementadas medidas semelhantes, tendo sido interrompida a circulação de transportes públicos e encerrados cinemas e outros espaços públicos com concentração de pessoas.
A China implementou ainda medidas de rastreio de saúde para viajantes à saída do país nos aeroportos, portos e fronteiras terrestres. Também outros países estão a limitar a entrada de pessoas que estiveram na China há menos de 14 dias, embora não exista nenhuma recomendação da OMS para que existam cortes de fronteiras.
Que medidas tem Portugal activas?
Portugal tem implementado um protocolo de actuação perante casos que possam ser considerados suspeitos. Qualquer pessoa que pense ter sintomas ou tenha dúvidas deve contactar a linha SNS 24, em vez de se dirigir a um centro de saúde ou hospital.
À pessoa deve ser feito um inquérito para perceber se existem sintomas e se estiveram na zona afectada ou junto de pessoas que mostrem sintomas e que tenham estado na zona afectada. A pessoa deve, em caso de suspeita de infecção, ser isolada e usar uma máscara. Os profissionais também devem usar protecção. O profissional de saúde deve contactar a linha de apoio médico para validação ou não do caso.
Existem meios do INEM designados para o transporte de casos suspeitos para os três hospitais de referência — Curry Cabral e Dona Estefânia (Lisboa) e São João (Porto). Outras unidades poderão receber estes cidadãos, seguindo as indicações da DGS. Os contactos próximos devem ser vigiados.
O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge é o laboratório de referência em Portugal para a realização dos testes para comprovar a presença ou não da infecção pelo novo coronavírus. Os resultados podem ser obtidos ao final de cinco a seis horas.
Portugal faz controlo de voos chegados da China?
Não. Em conferência de imprensa, a directora-geral da Saúde Graça Freitas explicou que “o rastreio deve ser feito à saída e a China”, seguindo as indicações da OMS. “Na SARS e noutras epidemias, das milhares pessoas rastreadas à entrada [essa prática] não levou à detecção de nenhum caso. O rastreio generalizado não é considerado um rastreio adequado”, disse ainda a responsável.
Existem protocolos para informar as autoridades de saúde em terra se houver um caso suspeito detectado num avião ou num barco, assim como indicações quanto a procedimentos de desinfecção.
Qual é o risco na Europa?
A possibilidade de importação de casos para os países da UE/EEE “é moderada a elevada”. No entanto, a probabilidade de transmissão secundária na UE/EEE “é baixa, desde que sejam cumpridas as práticas de prevenção e controlo de infecção relacionadas com um eventual caso importado”. Embora existam casos registados em vários países da Europa, o número é muito limitado e vários têm ligação de viagens à cidade de Wuhan, na China.