Von der Leyen aconselha Boris Johnson a rever o calendário negocial pós-“Brexit”
Presidente da Comissão Europeia repetiu em Londres a sua preocupação com o prazo apertado para a negociação do acordo comercial entre a UE e o Reino Unido. “É impossível” concluir o processo até ao fim de 2020, disse. O cenário do “Brexit” caótico não está afastado.
A aprovação do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia pela Câmara dos Comuns, esta quinta-feira, e a efectiva separação política dos dois blocos, no próximo dia 31 de Janeiro, não afastam definitivamente a hipótese da “queda no precipício” de um “Brexit” desordenado e caótico, se Londres e Bruxelas não conseguirem definir os termos da sua parceria futura antes do final de 2020.
Um prazo dramaticamente curto para negociar e ratificar um acordo comercial, repetiu esta quarta-feira a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que foi até Londres para lembrar que quanto maior for o grau de divergência entre o Reino Unido e a União Europeia, maiores serão as dificuldades em gizar o novo quadro de cooperação económica e política entre os dois “velhos amigos” que querem permanecer “grandes aliados”.
“Sem uma extensão do período de transição para além de 2020, não devemos ter a expectativa de que será possível negociar todos os aspectos da nossa relação futura”, considerou. A chefe do executivo europeu referia-se ao prazo estabelecido no acordo de saída para a concretização do “Brexit”: durante esse período, que termina no momento em que expira o actual quadro financeiro plurianual, o Reino Unido já está fora da UE, mas continua a cumprir na íntegra o chamado “acervo comunitário”.
Segundo o tratado do “Brexit”, o prazo da transição pode ser prolongado (por decisão mútua) por mais dois anos. O primeiro-ministro, Boris Johnson, tem repetido que não tenciona fazer uso dessa prerrogativa, que na sua opinião mantém Londres num estado de “vassalagem” perante Bruxelas.
Diplomaticamente, Ursula von der Leyen aconselhou-o a “reconsiderar” a sua posição de princípio. “É basicamente impossível negociar tudo antes do final de 2020. Vamos ter de estabelecer prioridades, ou voltaremos a confrontar-nos com uma saída dura que não seria boa nem para o Reino Unido, nem para a UE”, alertou, antes de uma reunião descrita como “de cortesia” em Downing Street.
A três semanas do Dia D do “Brexit”, os dois lados insistem que o seu relacionamento futuro deve ser o mais próximo possível: este é, afinal, um divórcio amigável. “Quando o sol nascer no dia 1 de Fevereiro, continuaremos a ser os melhores amigos e parceiros”, disse. Mas, apesar da boa vontade, as diferenças vão ser profundas. “A nossa relação não poderá ser, nem será, a mesma”, afirmou, por mais abrangente e “sem precedentes” que venha a ser a parceria futura.
E as boas intenções podem não encontrar reflexo nos termos concretos do acordo comercial que vier a ser estabelecido. “Cada escolha tem uma consequência; cada decisão implica uma cedência”, frisou Ursula von der Leyen, recordando que “sem a livre circulação de pessoas não pode haver livre circulação de capitais, bens e serviços”, ou ainda que se o Reino Unido não respeitar as mesmas normas ambientais, laborais, fiscais ou de ajudas de Estado, “não pode ter o mesmo nível de acesso ao maior mercado único do mundo”.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ainda não revelou oficialmente qual vai ser a política do seu Governo em termos de alinhamento com os padrões e standards europeus — o chamado “level playing field” que Bruxelas exige como contrapartida para um comércio sem fricções, isto é, sem a aplicação de quotas e tarifas.
Em sucessivas declarações aos membros do seu partido e legisladores de Westminster, Johnson tem repetido que o “Brexit” se fez precisamente para que Londres possa romper com os “constrangimentos” de Bruxelas e definir as suas próprias regras. E como notam vários analistas, Johnson fez-se rodear no Governo de personalidades que estão ideologicamente contra o alinhamento com a UE e fizeram campanha pelo mais duro dos “Brexits”.
A garantia da integridade da União Europeia foi o objectivo fixado pela União para próxima fase de negociações, que só pode arrancar formalmente depois de concretizada a saída do Reino Unido e após a aprovação do novo mandato de Michel Barnier pelos líderes do Conselho Europeu. A unidade que os chefes de Estado e governo souberam manter até agora vai ser testada na próxima fase, em que os interesses particulares de cada país deixam de ser totalmente coincidentes. “Será um processo complexo e que exigirá todo o sangue-frio do nosso negociador”, prevê o Presidente francês, Emmanuel Macron.
Tal como Boris Johnson, os 27 ainda não detalharam os seus objectivos negociais para além de princípios mais ou menos vagos. Esta quarta-feira em Londres, a presidente da Comissão insistiu que a UE está disponível para negociar uma futura parceria “verdadeiramente ambiciosa”, que extravase os limites do comércio e abranja “tudo” — “da acção climática à protecção de dados, das pescas à energia, transporte, espaço, serviços financeiros, segurança e defesa”, enumerou.
Mas Von der Leyen foi muito clara quanto às suas linhas vermelhas. “Trabalharemos para encontrar soluções que garantam a integridade do mercado comum e da união aduaneira”, resumiu, garantindo que Bruxelas irá tão longe quanto possível mas também prometendo que “não haverá qualquer compromisso” relativamente às bases do mercado único.
Num discurso aplaudido na London School of Economics (onde estudou na década de 70), a líder da Comissão Europeia foi obrigada a admitir que o “Brexit” foi uma “pastilha difícil de engolir” e que as negociações do acordo de saída foram “difíceis e divisoras”. Agora, o momento é outro: em vez de “tensão” e “incerteza”, o contexto em que decorrem as conversas é de “clareza” e “interesse mútuo”.