Combate à corrupção: novo bastonário dos advogados critica “alteração radical” do processo penal

Menezes Leitão considera “incompreensível” o pacote anticorrupção anunciado pelo Governo que não estava no programa do executivo e que considera ter medidas inconstitucionais.

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Nuno Ferreira Santos

Ainda não tomou posse, mas o primeiro discurso do bastonário eleito da Ordem dos Advogados na abertura do ano judicial já antecipa um mandato crítico de Luís Menezes Leitão. O pacote anticorrupção anunciado pela ministra da Justiça em Dezembro merece fortes reservas do representante dos advogados, que considera mesmo haver nele medidas inconstitucionais.

Menezes Leitão considera “incompreensível” que tenha sido crido um grupo de trabalho destinado a estabelecer medidas que “representam uma alteração radical do paradigma” do processo penal “sem que [elas] constassem sequer do programa do Governo” e que “nalguns casos contendem com preceitos constitucionais”.

O primeiro exemplo dessas inconstitucionalidades apontado pelo bastonário foi a criação de tribunais especiais, “o que a Constituição proíbe precisamente pela experiência dos tribunais plenários de triste memória”. Depois demorou-se a criticar a delação premiada, lamentando em particular que, mais uma vez, as alterações à legislação processual penal sejam feitas “à boleia dos casos mediáticos”.

“Tivemos uma reforma do processo penal resultante do processo Casa Pia e agora, pelos vistos, vamos ter uma reforma do processo penal resultante do caso BES, inspirada nos plea bargaing americanos”, afirmou.

Para Menezes Leitão, importar a delação premiada seria “um grande retrocesso” do sistema penal português, “levando a que a investigação criminal seja substituída por uma mera recolha de confissões de arrependidos”, em que “o prémio é atribuído àquele que primeiro denuncia os restantes, transformando o processo penal numa teoria dos jogos em que o mais condenado acaba por ser, não o mais culpado, mas aquele que melhor soube resolver o dilema do prisioneiro”.

Na sua opinião, isto “atenta totalmente contra a presunção de inocência” e não é mais do que “uma forma de coacção moral sobre os arguidos”.

Menezes Leitão apontou depois ao funcionamento do Ministério Público, tendo em conta as “notícias não desmentidas de que estariam a ser dadas instruções aos magistrados para não pedirem a absolvição dos arguidos nos casos de terrorismo, corrupção, homicídio ou com ‘repercussão social ou mediática’, mesmo perante situações de ausência de prova em julgamento”.

“A única atitude compatível com a de uma magistratura […] é defender a absolvição dos arguidos quando manifestamente não foi feita prova” em julgamento, que é onde a prova deve ser feita, sublinhou o bastonário.

O novo bastonário dos advogados falou também das questões que dificultam o funcionamento da justiça, como diz ser o caso do novo mapa judiciário, pedindo o “pleno regresso dos tribunais às comunidades que delas foram privados em 2014”. Diz que os julgados de paz e os meios alternativos de resolução de litígios não resolvem os problemas e que só os tribunais podem resolver, como o poder paternal.

Por fim, falou do exercício da advocacia, desde a falta de actualização das suas remunerações, o que não acontece há 15 anos, enquanto o Governo aumentou em 9% as contribuições mínimas dos advogados para a previdência, até à obrigatoriedade dos advogados se registarem numa máquina à entrada dos tribunais.

Menezes Leitão terminou com uma citação de Montesquieu: “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda a parte”. Na sua opinião, em Portugal existe “um grande défice de execução das leis, pelo que executá-las é a nobre missão de todos aqueles que trabalham na justiça”.

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