Incêndios mataram nove pessoas na Austrália esta semana, um “país maravilhoso”, diz o primeiro-ministro
Eleva-se para 15 o número de mortos desde o início dos fogos, em Setembro. Primeiro-ministro, criticado pela falta de iniciativa no combate aos incêndios, insta australianos a celebrar “o maravilhoso país” em que vivem.
Pelo menos nove pessoas morreram desde segunda-feira nos incêndios florestais que estão a devastar o sudeste da Austrália. Em Cobargo, Nova Gales do Sul, pai e filho morreram enquanto tentavam proteger a sua habitação do fogo – os cadáveres foram encontrados na terça-feira de manhã. Na quarta-feira de manhã, também em Nova Gales do Sul, foram encontradas duas pessoas carbonizadas nas suas viaturas. O bombeiro de 28 anos que morreu na segunda-feira, quando os ventos fortes capotaram o camião onde combatia as chamas, seria pai pela primeira vez em Maio.
As autoridades vão tentar aproveitar ao máximo a melhoria das condições meteorológicas previstas para os próximos dias, mas, ainda assim, a tarefa não estará facilitada para os bombeiros. “Apesar de as temperaturas descerem e a humidade aumentar, a vegetação está tão seca que o fogo continuará a desenvolver-se de forma muito perigosa”, avisou o comissário do Serviço de Incêndios Rurais de Nova Gales do Sul, Shane Fitzsimmons.
Os incêndios agravaram-se tanto na última semana que a Ilha do Sul da Nova Zelândia está coberta por uma neblina de fumo vermelho e laranja, proveniente do fogo que lavra na Austrália, descreve o Guardian. Desde o início da época de incêndios, em Agosto, são já 15 as mortes causadas pelos fogos que atravessam o país desde Setembro.
Sempre optimistas, disse o primeiro-ministro
Neste cenário apocalíptico, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison, muito criticado por defender a indústria mineira de extracção do carvão, e não ter uma política de protecção ambiental e de luta contra as alterações climáticas, tentou lançar uma mensagem de optimismo ao país no discurso de Ano Novo. Reconheceu que foram “uns 12 meses duros”, por causa dos incêndios florestais, “que levaram as vidas de tantos australianos”, e “a seca que continua, e claro as cheias no início do ano passado”, mas a seguir listou os motivos pelos quais os cidadãos não devem perder o optimismo.
“Há uma coisa que podemos sempre celebrar na Austrália, que é o facto de vivermos no país mais fantástico do mundo. E o maravilhoso espírito australiano que nos faz ultrapassar todos os desafios que enfrentamos. Teremos sempre uma perspectiva optimista a olhar o futuro”, afirmou o primeiro-ministro Morrison.
A partir de sábado, prevê-se que as condições meteorológicas voltem a favorecer a progressão dos incêndios. Cerca de 50 mil habitações estão sem electricidade e 2500 homens combatem as chamas. No estado de Vitória, quatro pessoas continuam desaparecidas. Em Malua Bay, cerca de mil pessoas foram obrigadas a refugiar-se na praia, junto ao mar, tentando fugir às chamas que devastaram a cidade. Famílias e animais de estimação passaram a noite no areal, esperando que as chamas diminuíssem de intensidade.
O Governo australiano decidiu recorrer ao Exército para aumentar a eficácia no auxílio às populações. Navios e aeronaves militares distribuíram água, comida e combustível nas cidades isoladas pelo fogo. Na quarta-feira, o Serviço de Incêndios Rurais de Nova Gales do Sul adiantou que foram destruídas 916 casas e 363 sofreram danos. As autoridades conseguiram manter a salvo 8159 habitações.
Nas redes sociais multiplicam-se as tentativas de contacto: devido ao corte de acessos a algumas das zonas afectadas pelos incêndios, muitos tentam apurar o paradeiro dos familiares e perceber se estes se encontram em segurança. As redes de comunicação também têm sofrido falhas recorrentes, factor que dificulta ainda mais o estabelecimento de contacto entre as famílias.
O chefe de Governo do estado de Vitória, Daniel Andrews, indicou que já foram enviados alimentos, água e combustível para as áreas atingidas pelos incêndios, principalmente na região de Gippsland Oriental.
Área ardida é maior que floresta portuguesa
De acordo com dados da Reuters, já arderam mais de quatro milhões de hectares na Austrália, aproximando-se dos cinco milhões, segundo outras fontes. Este número equivale a quase metade da área de Portugal, estimada em cerca de nove milhões de hectares. Se atentarmos apenas para a área florestal de Portugal (cerca de 3,1 milhões de hectares), podemos ver que a área ardida na Austrália ultrapassa o total de floresta portuguesa.
Mas o problema não é apenas ter ardido floresta. O fogo chegou pela primeira vez a locais onde nunca tinham chegado as chamas, como as florestas de Gondwana de Nova Gales do Sul e do sul de Queensland, que fazem parte da lista do Património da Humanidade da UNESCO desde 1986. Estas florestas são vestígios da vegetação do supercontinente do sul do planeta, que existiu há cerca de 550 milhões de anos, até ao período do Jurássico (180 milhões de anos), e que juntava as actuais América do Sul, Antárctida, Austrália, subcontinente indiano e Arábia.
A UNESCO expressou preocupação com os danos sofridos pelas florestas de Gondwana na Austrália, e interrogou o Governo de Scott Morrison o que estava a fazer para as proteger, e se estavam afectados os valores que levaram a incluí-las na lista do Património da Humanidade.
Nos últimos três meses, quatro dos seis estados australianos foram directamente afectados pelas chamas. Dezenas de milhares de bombeiros, a maior parte voluntários, tem combatido incessantemente os incêndios. O Governo australiano pediu auxílio aos Estados Unidos e ao Canadá, que deverão ceder aeronaves de combate aos incêndios. Os canadianos já se comprometeram em enviar 30 bombeiros para combaterem as chamas na Austrália, avança o New York Times.
Fogo-de-artifício em Sydney avançou
A actuação do primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, tem sido alvo de críticas nas últimas semanas. Nos dias que antecederam o Natal, período em que os incêndios cresceram em intensidade, o chefe de Governo estava de férias com a família no Havai, algo que irritou a opinião pública australiana. Scott Morrison tomou a decisão de interromper a pausa e reconheceu, posteriormente, o mau timing da viagem.
“Tenho a certeza que os australianos compreendem que, quando se faz uma promessa aos filhos, se tente cumpri-la. Mas, enquanto primeiro-ministro, existem outras responsabilidades. Aceito as críticas”, afirmou, então, o primeiro-ministro.
Este período de combate contra as chamas — que já causou 15 mortes desde Agosto — coincidiu com a passagem de ano. Muitos pediram que o tradicional espectáculo de fogo-de-artifício de Sydney fosse cancelado, mas a presidente da Câmara, Clover More, considerou que essa medida não teria efeitos práticos e seria penalizadora para os turistas que já tinham feito a viagem.
“Muitas pessoas já voaram para a Austrália de todo o mundo, já pagaram hotéis e restaurantes para estarem aqui na noite da passagem de ano. O evento gera 130 milhões de dólares australianos [aproximadamente 81 milhões de euros] para a economia de Nova Gales do Sul, dá poder à nossa indústria do turismo, cria trabalhos e apoia inúmeras pequenas empresas”, afirmou a presidente da Câmara de Sidney. Também o primeiro-ministro deu o seu parecer favorável à cerimónia.