Escultura vandalizada em Leça da Palmeira estará limpa até ao final do dia
A escultura foi vandalizada no último domingo, com grafittis contra o valor da obra. “O dinheiro investido na cultura na câmara de Matosinhos não retira um cêntimo a qualquer orçamento de outra área que para nós seja estratégica no concelho”, responde o vice-presidente de Matosinhos.
A escultura A Linha de Mar, de Pedro Cabrita Reis, recentemente inaugurada junto ao Farol da Boa Nova e que surgiu vandalizada no domingo, será limpa ao longo desta segunda-feira, garantiu o vice-presidente da Câmara e vereador da cultura, Fernando Alves da Rocha, em declarações ao PÚBLICO. A situação foi reportada à polícia e foi apresentada uma queixa ao Ministério Público. Os autores do crime ainda não foram identificados e não foi fornecida mais informação por parte da polícia, informa o vereador.
Os graffitis, pintados a tinta negra sobre o branco original das vigas de ferro da escultura exibiam palavras como “vergonha”, “300 mil euros”, “os nossos impostos” ou “isto é Leça”. Para além disso, foram pintadas também outras figuras, algumas delas a assemelhar-se a tridentes.
Inicialmente, pensou-se que a limpeza demoraria mais tempo, mas nesta segunda-feira, os técnicos a cargo dessa tarefa perceberam que “era mais simples do que aparentemente parecia porque a tinta dos graffitis é razoavelmente fácil de remover com diluente”, explicou Fernando Alves da Rocha.
O valor gasto na aquisição da obra – que, de acordo com o portal Base, ascendeu aos 307 mil euros e que serviu de aparente motivação para o acto de vandalismo —, já tinha sido alvo de críticas, em reuniões públicas da câmara e da assembleia municipal. Nesses espaços, abertos aos munícipes, pelo menos duas pessoas “foram, de forma civilizada, dizer que não gostavam e que não concordavam”, explica o vereador da cultura. “Um acto cívico normal e legal.”
“O que foi feito naquela peça [no domingo] é crime e é vandalismo, é essa a diferença”, afirma. “Com esse tipo de atitudes não podemos compactuar.”
Respondendo àquela que parece ser uma das principais críticas, sobre o valor da obra orçamentada em 250.000 euros sobre os quais foram pagos mais de 50.000 euros de IVA, Fernando Alves da Rocha diz que “as críticas que falam do dinheiro põem sempre a tónica na possibilidade de o gastar noutras coisas”, mas afirma que “o dinheiro investido na cultura na câmara de Matosinhos, onde esta escultura se inclui, não retira um cêntimo a qualquer orçamento de outra área que para nós seja estratégica no concelho”. “Não se anda a desviar dinheiros de áreas ditas prioritárias para a cultura e para aquela escultura.”
Por outro lado, afirma que “toda a gente sabe que a arte, nomeadamente a arte contemporânea, é factor de discussão e divergência”.
Não é caso único de vandalismo
Não foi a primeira vez que uma obra de arte no concelho de Matosinhos foi vandalizada. Admitindo que é difícil apresentar um valor total para os trabalhos de limpeza e restauro de obras de arte nos últimos anos, devido às características e condições das próprias obras, Fernando Alves da Rocha nomeia alguns casos em que os trabalhos de recuperação ascenderam a alguns milhares de euros. Foi o caso da recuperação de um cruzeiro do século XV, situado em Leça do Balio, uma enorme cruz em pedra que é património nacional. Esta peça foi vandalizada e a parte superior, onde se situa a crucifixo, foi destruída, em 2015. Para a recuperação foram gastos 20.000 euros.
O vice-presidente da câmara refere também a limpeza às esculturas de Julião Sarmento, Dois Gémeos, inauguradas em 2016. As esculturas, feitas em ferro e bronze, como homenagem a Passos Manuel, foram vandalizadas e a limpeza custou à autarquia quase 10.000 euros.
Também o edifício da câmara, revestido a pedra, é frequentemente vandalizado. Sem querer avançar com valores, Fernando Alves da Rocha diz que as pedras são substituídas todas as vezes, uma vez que não podem ser limpas devido à sua porosidade — e já foram substituídas “dezenas de pedras”.
A obra como “um lugar de partilha”
A Linha de Mar, inaugurada a 15 de Dezembro, é composta por cinco conjuntos de vigas de ferro HA400 e descrita, no site da câmara de Matosinhos, como “apresentando uma nova perspectiva sobre a linha de horizonte do mar e sugerindo diversas interpretações através da forma e geometria e da sua sobreposição com o oceano”.
Foi pensada por Pedro Cabrita Reis para ser um “local de congregação, de partilha”, onde as pessoas que passam pela marginal desenhada pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira podem sentar-se e aproveitar o “enquadramento extraordinário” da proximidade com o mar, explicou o artista ao PÚBLICO, no domingo em que se tornou conhecido o acto de vandalismo.
Apesar de não se conhecerem os autores, ao olhar para alguns dos desenhos pichados, como o tridente, Pedro Cabrita Reis aponta ser “transversal a grupos de extrema-direita na Europa”. “Não é um vandalismo contra a minha escultura, é uma manifestação de extrema-direita”, afirmou o artista plástico ao PÚBLICO, por telefone.
A presidente da Câmara de de Matosinhos, Luísa Salgueiro, comentou o incidente no último domingo, numa publicação no Facebook onde salientou que a política cultural serve “para combater a intolerância”: “Evidentemente que o investimento na cultura está longe de ser consensual e é perfeitamente respeitável que as pessoas tenham a opinião de que esta não seja uma responsabilidade do Estado, privando o seu acesso à classe média e baixa”.