Ainda ouço as vozes do meio milhão de activistas na manifestação pelo clima em Madrid a 7 de Dezembro: “Nem um grau a mais, nem uma espécie a menos”, “Estão a ficar sem desculpas e nós sem tempo”. Há angústia e revolta, mas também solidariedade e esperança. Canta-se Bella Ciao. Apela-se à resistência. Imaginam-se futuros que rompem com o actual sistema depredador de vida. Crianças, jovens e adultos caminham juntos no centro da capital espanhola.
Ali perto decorre a 25.ª Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP25). A apatia dos líderes políticos contrasta com a urgência dos activistas na rua. Sobre alcatifas de veludo e mobiliário “ecológico” debate-se o grande tema da cimeira: o artigo 6 do Acordo de Paris. Nele prevê-se o uso dos mercados de carbono para diminuir as emissões de gases de efeito de estufa no planeta.
Os mercados de carbono – existentes há mais de 20 anos – permitem que os países ricos poluidores comprem créditos de emissão de carbono através, por exemplo, da realização de projectos “verdes” em países pobres com menos emissões. É uma versão moderna do comércio de indulgências que existia na Igreja Católica. Mas em vez de pagarem pelos pecados, pagam pela poluição. Com as indulgências, o pecador não deixava de pecar, assim como com os mercados de carbono o poluidor não deixa de poluir. As emissões voltaram a aumentar em 2019.
Porque é que fracassam os mercados de carbono? Há quem diga que a culpa é do preço baixo das emissões. Mas não nos iludamos: os mercados de carbono falham porque são feitos para especular, obter lucro fácil e autorização para poluir. E falhariam mesmo que o preço de carbono fosse elevado.
Alguns projectos para colocar créditos de carbono no mercado são impostos às populações locais – muitas delas indígenas –, causando graves conflitos sociais. É colonialismo verde. Outros são desastres ecológicos. Em alguns países, as monoculturas de eucalipto podem ser usadas nos mercados de carbono através de projectos de “reflorestação”. Não são florestas. São desertos verdes. Passados poucos anos, os eucaliptos podem ser cortados transformando-se em fontes de carbono que outrora compensaram. Os mercados de carbono são jogos de aparências mascarados de ecologia barata.
E o que dizer dos créditos de carbono oferecidos pela União Europeia à indústria da transformação? Uma benesse para que continue a queimar combustíveis fósseis. E para que a indústria dilate os lucros com a venda de créditos, enquanto continua a saga poluidora.
E o sector da energia? Esse é obrigado a estar no Comércio Europeu de Licenças de Emissão. Mas não paga a poluição. Cobra electricidade mais cara. Assim engorda os proveitos transferindo os custos da sua poluição para as pessoas. Os mercados de carbono são instrumentos eficientes para subjugar as pessoas aos interesses dos accionistas.
Perdemos décadas no combate à emergência climática. Com negacionismo, apatia e mercados de carbono que mantêm vivo o capitalismo fóssil. Precisamos de medidas pragmáticas. O carvão, gás e petróleo deve permanecer debaixo do chão. A descarbonização é urgente. Os grandes sumidouros de carbono – os solos, oceanos e florestas – devem ser protegidos e restaurados através de legislação eficaz e investimento público suficiente. A redistribuição de riqueza e a protecção social são indispensáveis para mitigar os efeitos da crise climática nas populações. Quem mais polui deve pagar mais pela descarbonização.
Os arautos dos mercados de carbono estão em guerra com o planeta. Mas nós estamos cá para lutar.