Salas de consumo assistido avançam, mas Câmara do Porto ainda aguarda resposta do Governo
Carta enviada por Rui Moreira à Ministra da Saúde há três semanas continua sem resposta. Autarquia queixa-se de uma mudança de planos da ARS Norte e diz que Estado “não pode constantemente demitir-se das suas responsabilidades”. Governo não comenta
Só após a reunião com a Ministra da Saúde a Câmara do Porto tomará decisões, mas as salas de consumo assistido na cidade não estão em risco e a autarquia não anula a possibilidade de avançar sem o Governo neste projecto. Ainda que com protestos veementes. “Continuamos determinados e empenhados para que a cidade tenha uma sala de consumo assistido. Vai ter”, garantiu ao PÚBLICO Fernando Paulo, vereador com a pasta da coesão social, sem poupar críticas à administração central: “O Estado não pode constantemente demitir-se das suas responsabilidades. A toxicodependência é, em primeiro lugar, uma resposta de saúde e social. Quem tem responsabilidades de saúde neste país é o Ministério da Saúde. A tutela destas salas deve ser do Ministério.”
O pedido de reunião com a ministra Marta Temido partiu do presidente da autarquia, Rui Moreira, no dia 22 de Novembro, depois de à câmara ter chegado a proposta de protocolo da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte. Até agora, no entanto, não chegou qualquer resposta de Lisboa. A sugestão da ARSN, argumenta o vereador do executivo independente, “alterava profundamente a linha de negociação” entre as partes. E isso adiou o projecto. Mas não o invalidou.
A proposta de protocolo estava a ser construída há alguns meses, depois de, em Junho, a Assembleia Municipal do Porto ter aprovado um conjunto de recomendações que, com alguns matizes, apoiavam a criação de um ou mais equipamentos, fixos ou móveis, para consumo assistido no Porto. Poderá esse desígnio estar agora em risco? “Não queremos um argumento para deixar de ter salas de consumo”, afiançou Fernando Paulo, prometendo que a autarquia não irá “recuar” nesta matéria por continuar a acreditar nestas salas como uma “resposta importante” para a cidade.
Mas afinal, o que encravou o projecto e porquê? Fernando Paulo diz ter saído de uma reunião com a então secretária de estado da saúde, Raquel Duarte, a 23 de Agosto, com um modelo fechado: “A câmara disponibilizava 400 mil euros, havia um protocolo para três anos, quem lançava o concurso era o SICAD [Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências] e colaboraríamos com trabalho no âmbito da rede, quase como fazemos com o NPISA [Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo], disponibilizando algumas instalações.”
A proposta da ARSN, enviada a 15 de Novembro, tinha, no entanto, outras premissas. O documento consultado pelo PÚBLICO prevê que a “execução física” do programa fique a cargo da Câmara do Porto nos “primeiros 20 meses”. E deve acontecer de forma “faseada”, propõe a ARSN, iniciando-se com um “projecto-piloto” da unidade amovível, sujeita a uma avaliação do SICAD passado um ano. Nos oito meses seguintes, aconteceria então a “abertura de procedimento concursal”, entrando a unidade móvel nessa fase.
No primeiro ano, a unidade amovível teria um custo de 361 mil euros, prevê a ARSN, que se compromete a assumir 83,5 mil euros, valor no qual inclui a alocação de três técnicos de saúde. O restante ficaria à responsabilidade autarquia. A unidade móvel, a implementar em 2021, teria um custo de 95 mil euros, assumidos pelo SICAD (76 mil) e outra entidade a eleger. Em Lisboa, a lógica foi contrária: a carrinha de consumo assistido, que estaciona todos os dias no Beato e em Arroios, foi a primeira a entrar em acção, há oito meses, tendo registado, até agora, 270 consumos e 100 utentes. As duas salas fixas, com duches e bancos de roupa para os consumidores de droga, estão previstas para 2020.
À Câmara do Porto é pedida também a disponibilização de sete postos de atendimento, nos bairros Pinheiro Torres, Pasteleira Nova, Ramalde, Francos, Viso, junto ao Cerco e ainda na baixa e centro histórico. A unidade amovível ficaria na zona ocidental do Porto, junto ao bairro Pinheiro Torres, a móvel responderia a “fenómenos de consumo disperso no território”, nomeadamente junto das zonas dos postos de atendimento referidos.
Questionada pelo PÚBLICO, a ARS Norte preferiu não responder às questões, argumentando estar ainda numa fase de “trabalho com as entidades envolvidas no processo”. O Ministério da Saúde também não se pronunciou.
O executivo de Rui Moreira tinha assumido a alocação de 400 mil euros em três anos para este projecto, mas o autarca disse, desde o primeiro momento, que esta não poderia ser uma batalha a solo. E Fernando Paulo diz ter saído das reuniões com a indicação de que o envolvimento da câmara seria “suficiente”. Por isso, ficou surpreendido com a proposta de Novembro. Esta, acredita, dispararia os gastos “para o dobro: 800 mil euros em 20 meses”, considerando a disponibilização de instalações, água, luz e pessoal para abrir e fechar as instalações.
A ARSN, acrescenta, “sempre disse que teria dificuldade no primeiro ano” e foi nesse sentido que a câmara disponibilizou uma verba. Mas não contava assumir tudo. “Não podemos passar a vida a negociar e depois haver recuos”, reclama o vereador, dizendo que essa inversão foi argumento para o pedido de reunião enviado a Marta Temido. “Temos de tirar conclusões das coisas. Se não for com o Ministério da Saúde não precisamos de tutela”, afirma, dando como exemplo a gestão do centro de acolhimento temporário Joaquim Urbano, assumida localmente. A reunião técnica pedida inicialmente à ARSN foi retirada, agora a autarquia quer falar directamente com a ministra. “Estamos à espera da reunião e depois tomamos decisões.”