“O Papa recolocou a Igreja no centro dos grandes debates”
Viriato Soromenho-Marques, catedrático de Filosofia da Universidade de Lisboa, receia que Francisco possa ser vítima “do mal moral do egoísmo que vive “no mais alto cume da hiearquia da Igreja”.
O que é que Francisco mudou na Igreja e no mundo?
Recolocou a Igreja Católica no centro dos grandes debates sobre o futuro da humanidade, valorizando-a como força de esperança, mesmo aos olhos de não-crentes. Tem alertado para a agenda comum de urgências do nosso mundo de globalização assimétrica e explosiva: colapso ambiental e climático em curso, injustiças e desigualdades crescentes. Com coerência, tem defendido a necessidade de cooperação, mesmo entre inimigos, para vencer ameaças gigantescas que nos colocam a todos em perigo.
Quais os momentos marcantes do seu pontificado?
A clara compreensão do carácter ontológico e existencial da crise ambiental e climática, como a sua encíclica Laudato si o demonstra, com rigor científico e uma verdadeira teologia de compromisso com um mundo de humanos e criaturas concretas e viventes. Francisco revela também como o ecocídio e o genocídio estão ligados, e como a causa ressude também numa economia “que mata”. A capacidade de efectuar uma reforma, e não um mero reconhecimento, no combate aos crimes e abusos de natureza sexual contra menores. A recusa em ostracizar os homossexuais e a abertura a rever o papel secundário milenar das mulheres na Igreja Católica.
Até onde conseguirá levar as mudanças?
Francisco nunca tem escondido a sua fragilidade humana, permitindo despertar o que ela tem de melhor. Tem apelado ao apoio de todos, dentro e fora da Igreja. Contudo, ele poderá ser vítima do pior dessa fragilidade humana, que também vive no mais alto cume da hierarquia da Igreja: o mal moral do egoísmo, capaz de levar a defesa dos privilégios aos mais impensáveis extremos.