Em Portugal, 95% dos adolescentes compram tabaco sem qualquer entrave
Estudo publicado na revista Drug and Alcohol Dependence alerta para o fácil acesso dos adolescentes ao tabaco e propõe medidas mais duras de controlo.
“É tipo ‘empresta-me aí o comando’, eu abro e tal” – esta é uma das respostas de um dos 2444 adolescentes portugueses inquiridos num estudo sobre o controlo do tabaco. E a conclusão parece ser a de que não existe qualquer tipo de controlo. Praticamente todos os jovens, com uma média de 15 anos, que quiseram alguma vez comprar tabaco fizeram-no sem qualquer entrave. O artigo publicado na revista Drug and Alcohol Dependence, que tem como primeira autora a investigadora Teresa Leão, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade Nova de Lisboa, denuncia o fácil acesso ao tabaco e propõe algumas medidas de reforço do controlo tabágico junto dos mais novos.
Os investigadores fizeram uma série de questionários a 2444 alunos com uma média de 15 anos de seis escolas em Coimbra, abrangendo adolescentes de famílias de altos e baixos rendimentos. O trabalho decorreu em 2016 e envolveu inquéritos, mas também conversas, sob anonimato, com o consentimento dos encarregados de educação. Apesar do elevado número de adolescentes que referiu não ter fumado no último mês ou nunca sequer ter experimentado (total de 82,5%), há outros resultados preocupantes.
“Neste artigo compreendemos que, em Portugal, a legislação actual relativa ao tabagismo (parcial e fracamente fiscalizada) não está a ser suficiente para travar os adolescentes (menores de idade) a ter acesso ao tabaco ou fumar”, lamenta Teresa Leão. Assim, os dados do estudo revelam que a grande maioria (95%) dos adolescentes que tentou comprar cigarros conseguiu fazê-lo directamente em fontes comerciais (máquinas de venda ou vendedores) e que 73% dos alunos diz ser fácil ou muito fácil comprar tabaco. “Também reportam que é muito comum verem fumar à volta da escola (84% dos alunos vê colegas e professores fumar do lado de fora dos portões da escola), assim como em bares e cafés (97%) e restaurantes (70%)”, alerta a investigadora. “Tudo isso normaliza o tabaco.”
Além dos números que ajudam a caracterizar o ambiente tabágico junto dos adolescentes, Teresa Leão destaca a “componente qualitativa do artigo”, onde se podem encontrar frases dos adolescentes que são bastante esclarecedoras sobre os bastidores deste problema. Exemplos? “É muito fácil [comprar cigarros] porque eles só querem ganhar dinheiro. (...) Nunca me pediram [o cartão de cidadão para verificação de idade do comprador].”
Na dúvida, quem vai comprar o produto é o amigo que tem um “ar mais velho”, revelam ainda os adolescentes, mas geralmente nem isso é preciso. Quer seja num quiosque, numa papelaria ou num café, quer seja através de uma máquina de venda automática ou lidando directamente com um comerciante, os adolescentes compram tabaco sem dificuldade e sem perguntas. Geralmente, a compra é feita em locais que não sejam próximos de casa ou frequentados habitualmente pelos pais.
“Este artigo não tem boas notícias para dar”, confirma Teresa Leão. A investigadora consegue ver as boas intenções de um novo quadro legal que quis tirar o tabaco de locais públicos fechados e de estabelecimentos de ensino e que pretende impedir o acesso dos adolescentes ao tabaco (que só pode ser vendido a maiores de 18 anos). No entanto, nada disto parece ter resultado, constata.
Do outro lado do problema deste acesso demasiado fácil estão os vendedores que, segundo os adolescentes, estarão mais preocupados com o negócio e menos com a idade do comprador. Teresa Leão acrescenta ainda que, pelo meio, falha a fiscalização.
O (mau) exemplo à volta
Mas há outros factores que não contribuem para afastar os mais jovens do tabaco. “Os alunos não vêem os professores a fumar dentro da escola, mas eles fumam nas áreas próximas da escola, às vezes perto dos alunos”, refere o artigo que conclui que, por causa disso, “o conselho dos professores para parar de fumar é percebido como irónico ou incongruente”. No estudo surge mais uma citação dos adolescentes que serve de exemplo: “Nós também tínhamos o Sr. F ‘ó pá, deixem de fumar’ todos os intervalos, e ele de cigarrinho na boca. (...) Diz para eu deixar de fumar, mas está ali a fumar [risos].”
Mas quando olhamos para as imediações da escola, mesmo para o outro lado dos portões, não encontramos só professores ou funcionários de “cigarrinho na boca”. “Foi relatado que o fumo é muito mais comum na área circundante às instalações da escola, especialmente no portão. Os alunos reúnem-se geralmente durante os intervalos da escola no portão para fumar”, refere o artigo. Mais uma citação: “É aquela correria dos intervalos, tipo, nos intervalos junta-se tudo lá fora ‘olha vamos fumar um cigarro’. Isso é que é normal. Eu venho para a escola e fumo mais do que se estiver, tipo, em casa durante o dia.”
As actuais “políticas parciais e/ou pouco aplicadas parecem não impedir que os adolescentes tenham acesso a cigarros, frequentemente fumem e encontrem várias oportunidades para fumar em locais públicos”, conclui o estudo. Entre outras medidas para reforçar a prevenção, Teresa Leão avança com a proposta de “acabar de vez com as máquinas de venda de tabaco”. Por outro lado, reconhecendo que criar um perímetro de área livre de tabaco à volta da escola poderá afastar os alunos para áreas não vigiadas e menos seguras, a investigadora sugere também que se discuta a possibilidade de impedir que os alunos (menores) saiam da escola durante os intervalos.
Sobre a aparência dos miúdos que parecem mais crescidos e que são geralmente escolhidos para comprar tabaco, a investigadora aponta para o caso de outros países que optaram por impor o pedido de identificação a todos os compradores que aparentem ter menos de 30 anos. Sim: 30 anos. Falta também impedir o acesso de menores de 18 anos a locais fechados com zonas de fumadores e, claro, realizar mais acções de fiscalização junto dos comerciantes.
Na verdade, para os adolescentes comprar tabaco é tão fácil que parece brincadeira. “Mais do que brincar com o fácil acesso, sabemos que teoricamente o acesso é dado a adultos e um adolescente que quer ser adulto, quer crescer rápido, e a conseguir dar a volta ao sistema e conseguir comprar tabaco pode ser interpretado como um sinal de que ele é crescido.” E, na verdade, não é.
Teresa Leão admite que o retrato do fácil acesso dos adolescentes a produtos de tabaco, elevada visibilidade do consumo em locais públicos e frequente consumo dos menores em locais públicos que este estudo revela poderá ser generalizado para o país. E conclui que esta análise “é importante para perceber os motivos pelos quais as políticas não têm vindo a surtir o efeito esperado e apontar a forma como poderão ser repensadas a nível nacional.”