Tiro a Mário Centeno
É preciso não esquecer que Centeno tem um trunfo: é ele, como membro do Governo português, quem preside ao Eurogrupo até meados do próximo ano.
A recta final do ano é propícia a fazer balanços, escolher figuras que marcaram os últimos doze meses e anotar tendências. No país político, a época pré-natalícia é também fase de preparar o Orçamento do Estado e praticar (este ano) um desporto que até aqui era praticamente proibido: fazer tiro ao alvo, i.e. Mário Centeno.
Em 2018, ficou célebre a frase “somos todos Centeno”, proferida pelo então ministro Adalberto Campos Fernandes no Parlamento, a propósito de um suposto cisma entre a Saúde e as Finanças. Centeno era, então, o “Ronaldo do Eurogrupo”, o “seguro de vida do Governo”, o “trunfo eleitoral do PS”. Não havia na equipa de António Costa nenhum outro ministro com semelhante peso político. Vários distritos queriam tê-lo a encabeçar a sua lista às legislativas. Centeno mantinha total discrição em relação aos seus planos para o futuro com o argumento de que não lhe cabia a si fazer anúncios.
Depois vieram as eleições. O PS ganhou e formou Governo sozinho, sem Bloco, sem PCP e sem PEV, mas prometendo conversar com a esquerda toda e também com o PAN. Os números do défice para 2019 confirmaram-se e o pessimista Conselho de Finanças Públicas estimou que já este ano Portugal pode ter, pela primeira vez, um excedente de 0,1%. Ainda assim, Mário Centeno perdeu o protagonismo de outrora, desde logo na orgânica do Governo, na qual passou a dividir atenções com outros três ministros de Estado.
Na SIC, Marques Mendes revelou que o PS já comentava a hipótese da sua substituição: Medina e Mourinho Félix eram duas soluções, uma externa outra interna, para a sucessão nas Finanças. “Mário Centeno está em rota de colisão com o primeiro-ministro. Foi despromovido, não falou no debate [do programa do Governo] e está de saída”, notou Mendes. Antes disso, já o Expresso havia escrito que o seu futuro poderia passar pelo Banco de Portugal. Aqui, no PÚBLICO, demos conta de uma fricção entre a Administração Interna e as Finanças por causa de 80 milhões de euros que Carlos César apelidou de “fumaça”. E esta semana foi noticiado que Centeno perderá o poder de decisão sobre as futuras PPP.
Dir-se-ia que o ministro das Finanças está em crise no sentido em que a sua promissora carreira política chegou a um impasse. Mas é preciso não esquecer que Centeno tem um trunfo: é ele, como membro do Governo português, quem preside ao Eurogrupo até meados do próximo ano (ainda antes de Portugal assumir a presidência do Conselho da União Europeia por um semestre). E esta semana soube-se que, se quiser avançar para um novo mandato, até já tem apoios de peso. Não há nada que se assemelhe a um impasse aqui.
Os que acham que manter este cargo europeu é bom para o país não podem encontrar vantagem alguma em gritar aos quatro ventos que Mário Centeno está de saída do executivo. A menos que alguém esteja a fazer política com olho no cargo do ministro das Finanças. Ou que outro alguém esteja a pensar no futuro e a fazer pontaria a outro posto europeu qualquer. Estará?