EUA e Canadá responsáveis por 85% de novos projectos de petróleo e gás

Relatório revelado esta quinta-feira foi produzido por uma rede de organizações não-governamentais que segue a evolução da produção de petróleo e gás pelo mundo.

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A Shell está entre as 25 companhias responsáveis por 50% dos novos investimentos previstos Reuters/NACHO DOCE

A mensagem não podia ser mais clara: se apenas os Estados Unidos da América (EUA) avançarem com os novos projectos de exploração de petróleo e gás que estão previstos entre 2020 e 2024, não importa o que o resto do mundo faça. Simplesmente não seremos capazes de atingir a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 gaus Celsius. O dado consta do mais recente relatório da Global Gas & Oil Network, uma rede de organizações não-governamentais que segue a evolução da produção de petróleo e gás pelo mundo.

O documento, que foi apresentado esta tarde na 25ª Conferência das Partes (COP25) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climática, em Madrid, diz que os Estados Unidos e o Canadá possuem 85% dos novos projectos de gás e petróleo previstos para os próximos cinco anos.

A concretizarem-se todos os projectos listados no Oil, Gas and The Climate: An Analysis of Oil and Gas Industry Plans for Expansion and Compatibility with Global Emission Limits (Petróleo, Gás e o Clima: Uma análise dos Planos de Expansão das Indústrias do Petróleo e o Gás e da Compatibilidade com os Limites Globais de Emissões) as emissões de dióxido de carbono (CO2) daí decorrentes “levariam o mundo para lá do limite de 1,5 graus Celsius e tornariam impossível atingir os objectivos do Acordo de Paris”, refere o documento, frisando que “isto é verdade mesmo que o carvão desaparecesse da noite para o dia e as emissões provenientes do cimento fossem drasticamente reduzidas”.

Apesar dos apelos da comunidade científica e de vários líderes mundiais – incluindo o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres – de que é preciso travar o uso dos combustíveis fósseis já, o relatório revela que as empresas responsáveis pela exploração de petróleo e de gás estão a planear investir 1,4 biliões (milhões de milhões) de dólares em novos projectos de extracção destes combustíveis nos próximos cinco anos. Um investimento que “tem o potencial de libertar mais de 140 gigatoneladas de CO2, de reservas ainda por desenvolver, antes de 2050”, refere-se no documento. Em comparação, é o equivalente a construir 1200 fábricas a carvão de tamanho médio nos EUA.

A análise agora tornada pública revela que 25 companhias são responsáveis por quase 50% da produção prevista para 2050, com a Shell a aparecer no topo da lista, apenas atrás da russa GazProm. Numa conferência de imprensa realizada na COP25, Tzeporah Berman, da Global Gas & Oil Network, não poupou nenhuma delas. “Esta pesquisa mostra que, apesar do que dizem, estas empresas de petróleo e gás não estão a planear os seus projectos a pensar no Acordo de Paris. Temos muitas destas companhias nestes corredores a dizerem que estão preocupadas, mas estes dados mostram que não é assim”, disse, salientando: “Nenhum investimento em combustíveis fósseis é responsável neste momento”.

E os líderes políticos também não foram poupados. “Nenhum governo pode ser considerado um líder do clima se continuar a apoiar estes projectos”, disse Kelly Trout, uma das investigadoras envolvidas no relatório.

Segundo o documento, depois dos EUA e do Canadá, os países que deverão ter mais explorações novas de petróleo e gás nos próximos cinco anos são a Argentina, a China, a Noruega, a Austrália, o México, o Reino Unido, o Brasil e a Nigéria.

Produção a crescer no Brasil

Os EUA representam, de longe, o maior problema, com cerca de 79% dos novos projectos revelados pelo relatório concentrados ali. E 90% da expansão prevista será conseguida através de fracturação hidráulica (fracking), estando 39% desses novos projectos designados para uma zona dividida entre os estados do Novo México e o Texas (designada de Permian Basin). Esta expansão, disse o reverendo David Rogers, da comunidade de Carlsband, mesmo no meio desta zona, será “uma catástrofe”.

Na conferência de imprensa de apresentação do relatório, o reverendo descreveu o que tem sido para a sua comunidade do Novo México viver com a fracturação hidráulica “do outro lado da rua”. “Em poucos anos vi a minha comunidade pristina a transformar-se numa lixeira tóxica por causa da fracturação hidráulica. Vi famílias afastadas de terras ancestrais, porque a perfuração era do outro lado da rua das suas casas. Vi pessoas da minha comunidade com dores de cabeça, náuseas, depressão, várias doenças por causa dos continuados fumos tóxicos mesmo ali ao lado. Vi quando a indústria do petróleo e do gás chegou com grandes promessas de empregos e dinheiro. Algumas concretizaram-se, mas com custos muito altos, e a maior parte foi para trabalhadores temporários que para ali vão sem condições”, disse.

Representantes de comunidades no Canadá – onde um novo projecto aguarda aprovação do Governo de Justin Trudeau – e na Argentina também alertaram para o risco do desenvolvimento de novas explorações nos seus países, tanto por causa do aumento das emissões de CO2 como pela preservação da biodiversidade, com algumas espécies a serem directamente ameaçadas pelo aparecimento de novas concessões.

A mesa não teve qualquer representante do Brasil, mas o cenário traçado pelo relatório é preocupante. Segundo os dados ali compilados, a produção de gás e petróleo cresce 13% desde 2015 “e o país planeia expandir a produção em mais de 60% até 2030, aumentando drasticamente as emissões de gases com efeitos de estufa”.

Tal como tem sido frisado em várias intervenções sobre a emergência climática, o relatório também refere que um cenário dramático pode ser travado, desde que se actue já. Exemplos como a Costa Rica ou a França que baniram o licenciamento de novos projectos de gás e petróleo devem ser seguidos, insiste-se. E caso nenhum dos novos projectos avançasse, com o declínio previsto das produções em curso, o mundo ficaria perto de atingir a meta de 1,5 graus Celsius do Acordo de Paris.

Para isso, os decisores políticos têm de parar as novas produções, terminar com os apoios aos combustíveis fósseis e iniciar o apoio imediato às comunidades que serão afectadas pela transição económica que implicará o abandono dessas produções, refere o documento.

Um outro relatório conhecido recentemente, coordenado pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP, na sigla inglesa) e que analisou, pela primeira vez, o fosso entre os planos de diferentes países do mundo para a produção de combustíveis fósseis e o que seria necessário, a esse nível, para atingir as metas do Acordo de Paris revelou que “os países necessitam de triplicar as suas intenções de redução de emissões para limitar o aquecimento global a dois graus Celsius, e quintuplicá-las para não ultrapassar 1,5 graus Celsius.” Segundo o relatório The Production Gap 2019 (O Fosso Produtivo), ao contrário do que seria necessário, “os governos estão a planear produzir 50% mais combustíveis fósseis em 2030 do que seria consistente com um aumento da temperatura até dois graus Celsius e 120% mais do que seria consistente com um aumento de temperatura até 1.5 graus Celsius.”

A COP25 decorre em Madrid até 13 de Dezembro, sob a direcção do Chile, que desistiu de acolher o encontro devido aos protestos sociais nas ruas do país há várias semanas.

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