Novo presidente da Funarte diz que “rock leva ao aborto e ao satanismo”

A nomeação de Dante Mantovani, um maestro que é também youtuber, é mais uma polémica a envolver a cultura brasileira sob o Governo de Bolsonaro.

Foto
As nomeações de Bolsonaro para a área da cultura têm sido particularmente polémicas Reuters/ADRIANO MACHADO

O presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), órgão público que fomenta as artes no Brasil, nomeado oficialmente na segunda-feira, afirmou no seu canal no YouTube que “o rock leva ao aborto e ao satanismo”.

Dante Mantovani, que é maestro e mestre em Linguística, declarou que o “rock activa a droga, que activa o sexo, que activa a indústria do aborto”. Para o recém-nomeado presidente da Funarte, “a indústria do aborto, por sua vez, alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo. O próprio John Lennon disse que fez um pacto com o diabo”.

Mantovani era até agora um dos muitos youtubers ultra-conservadores brasileiros que ganhou relevância com a eleição de Jair Bolsonaro. No seu canal, com cerca de sete mil subscritores, tanto publica vídeos com explicações técnicas sobre música, como divulga várias teorias da conspiração populares nos meios da extrema-direita, como as críticas à chamada “ideologia de género” ou ao “marxismo cultural”. Como outros, Mantovani é um seguidor de Olavo de Carvalho, um auto-intitulado filósofo emigrado nos EUA que se tornou numa espécie de guru da extrema-direita brasileira e que também ganhou visibilidade no YouTube.

Num vídeo publicado no final de Outubro, o dirigente da Funarte argumentou, por exemplo, que “agentes comunistas infiltrados na “CIA” [Agência Central de Inteligência norte-americana] foram responsáveis por distribuir LSD [uma forte substância alucinogénica] a jovens durante o festival de Woodstock”.

“Como é que o brasileiro não valoriza sua cultura?” questionou também o novo presidente da Funarte, acrescentando: “Queremos dar ao Brasil a imagem de um bordel. As pessoas virão aqui para ter as suas aventuras, as suas orgias sexuais”.

A Funarte é uma das fundações mais importantes de fomento à arte no Brasil, através de prémios e concursos, publicados em editais.

Negação do racismo

Outra das nomeações polémicas para a cultura brasileira aconteceu na quarta-feira passada, quando o Governo anunciou como novo presidente da Fundação Cultural Palmares, entidade pública que visa promover a cultura afro-brasileira, um jornalista que nega a existência de racismo e defende um “movimento de negros da direita conservadora”.

O executivo brasileiro efectuou alterações em entidades sob a tutela da Secretaria da Cultura, como é o caso da Fundação Cultural Palmares, com a nomeação para seu presidente do jornalista e militante da extrema-direita Sérgio Nascimento de Camargo.

Na sua página na rede social Facebook, Camargo mostra-se apoiante do actual Governo e protesta com frequência contra causas que envolvam o movimento negro, defendendo, por exemplo, o fim do feriado da Consciência Negra.

“O Dia da Consciência Negra é uma vergonha e precisa ser combatido incansavelmente até que perca a pouca relevância que tem e desapareça do calendário. É um feriado político, instituído pela esquerda com o objectivo de propagar o revanchismo histórico, o ressentimento racial e a degradante agenda progressista. Sou negro e repudio essa data”, escreveu o jornalista.

Numa outra publicação, Camargo compara o racismo entre o Brasil e os Estados Unidos da América (EUA), afirmando que apenas no segundo país ele é “real”.

“O Brasil tem racismo ‘nutella’. Racismo real existe nos EUA. A ‘negrada’ daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda”, afirmou, em 15 de Setembro, o novo presidente da Fundação Cultural Palmares.

A Fundação Cultural Palmares, cujo estatuto foi aprovado em 1992, tem como missão “os preceitos constitucionais de reforços à cidadania, à identidade, à acção e à memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade brasileira, além de fomentar o direito de acesso à cultura e à acção do Estado na preservação das manifestações afro-brasileiras”.

Contudo, o novo presidente da Fundação demarca-se de qualquer raiz africana na sua formação, afirmando que “rejeita a africanidade imposta pela esquerda”.

Carmargo foi indicado para o cargo por Roberto Alvim, um polémico dramaturgo nomeado como secretário especial de Cultura no início do mês, por Jair Bolsonaro.

Roberto Alvim é director do Centro de Artes Cénicas da Funarte, a Fundação Nacional de Artes do Brasil, e gerou polémica no final de Setembro, ao apelidar a actriz brasileira de 90 anos Fernanda Montenegro de “sórdida” por “deturpar os valores mais nobres da civilização, denegrindo a sagrada herança judaico-cristã”.

Em Outubro, o dramaturgo afirmou que estava a formar um “exército de grandes artistas espiritualmente comprometidos com o Presidente e com os seus ideais”, que estariam dispostos a “dar as suas vidas pela edificação do Brasil, através da criação de obras de arte que redefinam a história da cultura nacional”.