António Costa: eleição das CCDR avança em 2020 para dar confiança à regionalização
Depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter repetido que é preciso prudência, o primeiro-ministro explicou como vai fazer para ganhar confiança para os passos seguintes.
O primeiro-ministro revelou neste sábado que a eleição das comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional avança no início de 2020, “para criar no país a confiança necessária para os passos seguintes”, nomeadamente a eleição directa das áreas metropolitanas e a regionalização. A ideia estava reflectida no programa eleitoral que o PS levou a sufrágio nas legislativas de Outubro.
“Já no primeiro semestre 2020, queremos que seja possível proceder ao reforço da legitimidade democrática para que as comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional [CCDR] possam assumir plenamente o desenvolvimento de estratégias regionais. Este é o momento certo e não deve haver qualquer tipo de adiamento. Este não é o passo que todos anseiam, mas é o que desde já deve ser dado para criar no país a confiança necessária para os passos seguintes”, afirmou António Costa, no encerramento do XXIV Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), em Vila Real.
O primeiro-ministro recusou, no entanto, avançar já com a eleição directa para as áreas metropolitanas, para evitar “entraves a quaisquer desenvolvimentos futuros no processo de regionalização”. António Costa notou que o Governo tem “ponderado a apreensão de muitos autarcas, das próprias áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e dos seus presidentes, de que as eleições directas [por sufrágio universal] das áreas metropolitanas possam ser entendidas como entrave à regionalização”.
António Costa também aproveitou para dizer que a política europeia de coesão e a política agrícola comum “não podem ser sacrificadas” no próximo quadro financeiro plurianual. “A discussão do quadro financeiro plurianual 2021-2027 é um exercício com dificuldades acrescidas face aos anteriores quadros, tendo em conta o efeito simultâneo da saída de um contribuinte importante como o Reino Unido e, por outro lado, o alargamento das políticas prosseguidas pela União Europeia. É um quadro onde tendo menos contribuintes teremos também mais onde investir.
“A maior mais-valia da política de coesão foi ter trazido a União Europeia para o dia-a-dia dos seus cidadãos. Com a política de coesão, a Europa chegou a cada aldeia, a cada vila, a cada cidade, a cada cidadão europeu”, disse. O primeiro-ministro defendeu, no entanto, uma “maior flexibilidade na definição e implementação desta política, limitando a sua carga burocrática e combinando uma acrescida abordagem territorial com maior enfoque nos seus principais beneficiários, que são as pessoas”.
“A PAC é essencial para enfrentarmos o desafio das alterações climáticas e a política de coesão é fundamental para qualificar os cidadãos e as empresas para transição digital”, realçou.
Carro à frente dos bois
Horas antes do discurso do primeiro-ministro, em Lisboa, o Presidente da República insistira na ideia de que sem “prudência” e sem “um trabalho de preparação”, um novo referendo sobre a regionalização corre o risco de ser chumbado pelos portugueses e “matar definitivamente” este processo.
Durante uma visita a um supermercado em Alvalade (Lisboa), onde fez compras para contribuir para a recolha do Banco Alimentar contra a Fome, o chefe de Estado foi questionado sobre declarações que fez na sexta-feira, na abertura do congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, em que avisou que começar já a pensar na regionalização para avançar em 2022 é “colocar o carro à frente dos bois”.
“Quis explicar que ter um referendo para o povo português chumbar novamente a regionalização significa matar a regionalização definitivamente. Há que garantir, aqueles que defendem a regionalização – e eram a maioria dos autarcas – que têm todas as condições para convencer o povo”, afirmou. “Há que garantir que em todas as regiões há ‘sim’, que em geral há ‘sim’ e que há uma maioria de votantes superior a 50%. Para isso é preciso mobilização, o que implica um trabalho de preparação e não pode ser feita a correr”, avisou.
Questionado sobre se o Governo não tem legitimidade para avançar com o processo, o Presidente da República respondeu: “Não é um problema de legitimidade, é um problema de prudência. A prudência implica primeiro fazer o que há que fazer: transferir poderes do Estado para municípios e comunidades, fazer o que não está feito, e depois de feito então aí, realizado o balanço, dar o passo – se for essa a vontade dos portugueses –, dar o passo para a regionalização.”
O chefe de Estado sublinhou que o processo de descentralização “ainda só começou”, faltando ainda aprovar alguns diplomas e a respectiva concretização financeira.
Rei vai nu
Depois de Marcelo ter usado a imagem de um carro à frente dos bois, Bernardino Soares usou outra. “Claramente o rei vai nu em matéria de descentralização”, disse o presidente da Câmara de Loures, acusando o Estado de desresponsabilização, sem dar as condições financeiras, patrimoniais e humanas necessárias aos municípios.
Para o autarca, o processo de descentralização de competências da administração central para os municípios “sem as verbas necessárias, sem os recursos humanos necessários, sem os recursos patrimoniais necessários”, está a “encolher” a “capacidade de intervenção junto das populações”.
“É uma situação para a qual se deve chamar a atenção neste momento e dizer claramente que o rei vai nu em matéria de descentralização, porque todos temos consciência da dificuldade que isto vai criar para os municípios e para a população e é preciso de uma vez por todas assumirmos que é essa a situação em que estamos e não num quadro idílico como, por vezes, alguns tentam pintar”, afirmou.
“Esse é um problema essencial da nossa vida presente e futura que tem que ser neste momento dirimido e sobre o qual tem que ficar uma clara apreciação”, defendeu.
O autarca comunista considerou que “ainda há tempo para corrigir pelo menos alguns dos aspectos mais gravosos deste processo que está em curso” para a transferência das competências “em particular da educação, da saúde ou da habitação entre outras”.
“Não aceitamos factos consumados, sobretudo quando esses factos não estão de acordo com as necessidades das pessoas que servimos, não estão de acordo com as necessidades dos municípios. Esse é o apelo que aqui deixamos hoje e, por essa razão, alguns de nós não poderemos acompanhar alguns dos documentos aqui presentes”, acrescentou.