Um submergível artesanal e descartável que trazia 100 milhões de euros em cocaína a bordo
É a primeira vez que uma embarcação deste tipo é apreendida na Europa no âmbito do combate ao narcotráfico. Submergível descartável seria afundado após terem sido retirados os 3000 quilos de droga a bordo. Governo espanhol diz que apreensão é “histórica”.
O aspecto artesanal não parece condizer com o nome pomposo que as autoridades espanholas e a imprensa lhe atribuíram: “narcossubmarino”. Na realidade, não é uma embarcação capaz de navegar no fundo do mar, mas apenas junto à linha de água, com uma pequena cabine que terá sempre de ficar fora da água. Isto, porque de outra forma não se fazia a extracção dos gases do motor e a captação de ar, que circulam em tubos colocados junto à pequena cabine com janelas.
Mas isso não retira qualquer importância à descoberta, que esta quarta-feira o delegado do Governo espanhol na Galiza, Javier Losada, fez questão de apelidar de “histórica” numa conferência de imprensa no Porto de Aldán, perto de Vigo, com o semi-submergível em pano de fundo. Isto, porque é a primeira vez que se apreende uma embarcação deste tipo – 20 metros de comprimento — na Europa, no âmbito ao combate ao narcotráfico. E ainda por cima com 3000 quilos de cocaína de grande pureza a bordo. “Haverá um antes e um depois desta apreensão. Agora temos a certeza de que o tráfico também se faz desta forma”, resume o governante. “Esta droga no mercado valeria cerca de 100 milhões de euros. Foram 100 milhões de euros em droga que retirámos da rua”, estimou Javier Losada.
O aspecto rudimentar e ausência de tecnologia avançada só vêm confirmar a convicção das autoridades que acreditam que as redes internacionais usam estes submergíveis de forma descartável. Fazem uma viagem transatlântica e depois de cumprirem a sua função são afundadas. Embarcações deste tipo, mas mais pequenas, já foram apreendidas entre a Colômbia e os Estados Unidos.
O capitão-de-fragata João Galocha, que esteve na Galiza a representar a Marinha portuguesa, também envolvida nesta operação internacional, confirma que a embarcação é artesanal. “É feita de fibra e, por cima, é aplicada uma espécie de cola que lhe dá este aspecto cinza”, explica Galocha. O motor teria 80 cavalos e permitia uma navegação a sete nós, ou seja, cerca de 14 quilómetros hora.
O interior só foi visto pelas autoridades espanholas que agora vão transportá-lo num camião TIR para a Escola Militar de Marín, onde será sujeito a inúmeras perícias forenses. Para já, sabe-se que no interior só haveria duas camas (o terceiro tripulante ficaria em alerta enquanto os outros descansavam), o motor, um grande tanque de combustível e um espaço para armazenar a droga. A comida deveria resumir-se a enlatados e alimentos secos, que dariam para aguentar os cerca de 20/25 dias que se estima terá demorado a travessia atlântica, desde um país da América Latina, que ninguém quer identificar.
As autoridades espanholas receberam na quinta-feira passada informações do Centro de Análise e de Operações contra o Narcotráfico Marítimo (MAOC-N, na sigla inglesa), uma entidade intergovernamental que reúne sete países da União Europeia, sobre uma embarcação com uma elevada quantidade de droga a bordo que se dirigia para a Galiza. Nessa altura, já há muito que a Marinha portuguesa tinha um navio em mar para tentar desmascarar um transbordo de droga, que estaria previsto acontecer a 300 milhas náuticas ao sul do cabo de S. Vicente. Um navio da Marinha partiu a 17 de Novembro em busca da embarcação, com inspector da PJ a bordo, mas as condições da ondulação, com seis a sete metros, terão obrigado os traficantes a mudar de ideias.
A PJ, com o apoio da Marinha e da Força Aérea, monitorizou a deslocação da embarcação, tendo mantido o MAOC-C informado. Quando o submergível se começou a dirigir para a Galiza, as autoridades espanholas foram alertadas. Puseram-se em campo e, com aquilo que dizem ter sido a colaboração “fundamental” das autoridades britânicas, conseguiram localizar a embarcação. No domingo de manhã, antes de os três tripulantes terem tentado afundar o submergível, intervieram e conseguiram deter dois dos suspeitos. Esta terça-feira, os dois foram presentes a uma juíza de instrução, em Cangas, que determinou a sua prisão preventiva. Um terceiro, que terá nacionalidade espanhola, continua fugido.
De quem era a droga e quem a deveria ter vindo recolhê-la é algo que as autoridades espanholas não revelam. Javier Losada deixou muitas perguntas sem resposta, realçando que a investigação continua em curso e que muitos dados não podem ser revelados para não prejudicar o seu desfecho. Só o tempo trará mais respostas.