Museu de Faro possui um “tesouro” que ninguém vê, uma peça de arte africana avaliada em dois milhões de euros

Uma peça de arte africana avaliada em dois milhões de euros aguarda a “melhor oportunidade” para ser exposta numa mostra sobre misticismo e religiosidade.

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Peça africana está guarda, à espera de oportunidade para ser exposta Rui Gaudêncio

No Museu Municipal de Faro existe uma peça única que está escondida dos olhares de todos - o mosaico romano do Deus do Oceano, classificado como Tesouro Nacional pelo Ministério da Cultura, em 2018. Além deste, há uma outra raridade que se encontra nas reservas a aguardar a “melhor oportunidade” para ser exposta. Chama-se Nkisi Nkondi, uma estátua de arte africana sobre a qual uma galeria londrina, especializada em arte africana, fez uma oferta de compra no valor de dois milhões de euros. Os nativos atribuem-lhe poderes sobrenaturais.

“Atrai os espíritos maus e guarda-os no seu interior”, assim a descreve Luísa Martins, nos Anais do Município de Faro. Sabe-se que a estátua foi oferecida ao museu, em 1917, pelo coronel João de Sousa Viegas, que teria estado na fronteira do Congo, onde recolheu a peça que os nativos relacionavam com feitiçaria e espiritualidade. O oficial, regressado do serviço militar, fora nomeado governador civil de Faro em 1919. Segundo a crença, diz a historiadora, a pessoa contra quem se prega o prego ou a faca irá morrer gorda ou inchada como um embondeiro.

A descoberta deu-se no Verão de 2016, quando decorria em Faro a exposição Esconjurações na colecção do Millennium BCP e noutras obras de José Guimarães. A estátua, com 93 centímetros de altura e 46 de largura, que dizem atrair os maus espíritos, foi o centro das atenções desta mostra de arte africana. Nessa altura, foi notícia a proposta da leiloeira britânica Entwistle: dois milhões pela aquisição da peça, pejada de pregos. O valor partiu depois de uma visita ao museu, feita uns meses antes, por dois investigadores da Universidade de Sorbonne.

Mosaico Romano do deus Oceano Rui Gaudêncio
Mosaico Romano do deus Oceano Rui Gaudêncio
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Mosaico Romano do deus Oceano Rui Gaudêncio

O director do Museu Municipal, Marco Lopes, estranha a proposta. “Não sei como chegaram a esse valor”, diz, salientando que a peça já tinha participado, anteriormente, em duas exposições – “uma, no Museu do Homem, em Paris, e outra no Museu de Etnologia, em Lisboa”. O vice-presidente da câmara, Paulo Santos, na altura, em declarações ao PÚBLICO, comentou: “Sabíamos que seria valiosa, mas não tínhamos uma referência.” O município deliberou, por unanimidade, recusar a oferta. Uma vez terminada a mostra, a peça regressou às reservas, e a cobertura do seguro foi actualizada.

“De arte africana só temos esta peça”, destaca Marco Lopes, subscrevendo a tese de Paulo Santos, que defende: “Uma peça não faz uma exposição.” Por outro lado, sublinha Marco Lopes: “tem de existir uma boa oportunidade para ser exposta”. A boa “oportunidade”, prossegue, pode estar relacionada “com a uma colecção de arte africana, particular, que existe aqui no Algarve”. A colecção, diz, sem revelar detalhes, está ser “estudada por uma antropóloga da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova”- “Estamos a trabalhar para perceber se pode encaixar nessa exposição.” Do ponto de vista científico e patrimonial não tem dúvidas: “Nkisi é realmente importante.”

Sobre as próximas iniciativas, adianta, dentro de um ou dois meses o museu prepara-se para mostrar outros inéditos, abordando Manuel Martins (1667-1742), o maior entalhador e escultor algarvio do período barroco”. A ideia, explica, é partir dos trabalhos deste artista e criar um roteiro para visitar as igrejas da cidade. A exposição, comissariada pelo historiador Francisco Lameira, trata ainda dos aspectos relacionados com o património imaterial das procissões. Para isso, a equipa técnica está a restaurar o Cristo Morto, da Igreja de Santa Bárbara de Nexe e o da Igreja do Carmo, imagem associada à procissão do Triunfo, que não se realiza há vários anos.

Trabalho de restauro de arte sacra no MUseu de Faro Rui Gaudêncio
Trabalho de restauro de arte sacra no MUseu de Faro Rui Gaudêncio
Trabalho de restauro de arte sacra no MUseu de Faro Rui Gaudêncio
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Trabalho de restauro de arte sacra no MUseu de Faro Rui Gaudêncio

O Museu Municipal de Faro encontra-se instalado no edifício do antigo Convento de Nossa Senhora da Assunção. O imóvel, construído há 500 anos, acusa o desgaste dos anos e tem algumas limitações de espaço. “Temos tido, com muito sucesso, o mecenato cultural”, destaca Marco Lopes, referindo-se à Fundação Millennium/BCP e a outras instituições que têm apoiado as exposições de arte contemporânea. Porém, destaca: “Não ficamos apenas por escolher um conjunto de nomes sonantes.” Uma parceria com a Universidade de Belas-Artes de Sevilha, acrescenta, tem permitido “revelar jovens artistas”. Nesta altura, na capela do antigo convento, feminino, estão patentes os trabalhos de cinco alunas daquela escola.      

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