Premiados trabalhos sobre regeneração da medula e terapia para a Parkinson
As equipas dos neurocientistas Mónica de Sousa e Fábio Teixeira receberam os Prémios Santa Casa Neurociências deste ano.
Os Prémios Santa Casa Neurociências 2019, atribuídos pela Misericórdia de Lisboa, acabam de distinguir investigações das equipas lideradas pelos neurocientistas Mónica de Sousa (na regeneração de lesões medulares) e Fábio Teixeira (no tratamento da doença de Parkinson).
O grupo de investigação coordenado por Mónica de Sousa, da Universidade do Porto, foi galardoado com o Prémio Melo e Castro e o de Fábio Teixeira, da Universidade do Minho, com o Prémio Mantero Belard. Cada uma das equipas vai receber 200 mil euros. Anunciados esta terça-feira, estes prémios constituem duas importantes bolsas de investigação científica e clínica em Portugal na área das neurociências.
Desde 2013 que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa atribui os Prémios Neurociências. O Prémio Melo e Castro distingue trabalhos que permitem a descoberta de soluções para a recuperação e o tratamento de lesões vertebro-medulares, enquanto o Prémio Mantero Belard é concedido a estudos sobre as doenças neurodegenerativas associadas ao envelhecimento, como a Parkinson e a Alzheimer, que potenciem novas terapêuticas.
Lições vindas de um rato africano
A equipa de Mónica de Sousa, do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto, propõe-se estudar os mecanismos moleculares e celulares que levam a que uma espécie de rato africano, o Acomys cahirinus, tenha uma “enorme capacidade regenerativa”, a ponto de voltar a andar após uma lesão completa na medula espinal.
A neurocientista disse à agência Lusa que, a prazo, o “objectivo final” é poder “usar o conhecimento ganho com este mamífero e adaptá-lo ao homem”, para efeitos de tratamento de lesões medulares.
O rato Acomys cahirinus, Mónica de Sousa, representa uma mais-valia na investigação, uma vez que é um modelo animal muito mais próximo dos humanos, quando comparado, por exemplo, com o peixe-zebra, que também é conhecido pela sua capacidade regenerativa de tecidos e órgãos.
O Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto vai trabalhar em colaboração com o Centro de Investigação em Biomedicina da Universidade do Algarve, uma das poucas instituições no mundo a criar em laboratório esta espécie de rato africano.
Um cocktail de substâncias
A equipa do neurocientista Fábio Teixeira, do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde da Universidade do Minho, irá testar, igualmente em ratos, uma terapia combinada para retardar a progressão da doença de Parkinson, uma patologia neurodegenerativa que se caracteriza por tremores, rigidez dos membros e tronco e lentidão de movimentos.
Aos roedores doentes será administrado um cocktail de substâncias (celulares e farmacológicas) que terá um efeito reparador e protector nos neurónios dopaminérgicos, células cerebrais cuja produção de dopamina (neurotransmissor envolvido no controlo do movimento) é afectada na doença de Parkinson.
Este cocktail, que será ingerido pelos ratos, inclui substâncias libertadas pelas células estaminais (o chamado secretoma das células estaminais, que se diferenciam noutras células e têm capacidade para se auto-renovarem).
Nesta mistura entram em acção também a safinamida, um medicamento já usado em doentes de Parkinson, e a acetilcisteína, um suplemento com funções antioxidantes.
Com esta terapia combinada, os cientistas esperam travar “diferentes mecanismos ligados ao desenvolvimento e à progressão da doença” e, desta forma, “atrasar a progressão da doença e dar uma qualidade de vida mais prolongada aos doentes”, sintetizou à Lusa o investigador Fábio Teixeira.
Segundo o neurocientista, a maioria das estratégias terapêuticas usadas em doentes de Parkinson – medicação ou estimulação cerebral profunda por método cirúrgico – “toca apenas nos sintomas motores, através da restituição dos níveis de dopamina”, mas a doença “continua a progredir”.
Fábio Teixeira assinalou que a terapia que a sua equipa vai testar, em colaboração com a francesa NeuroSpin – Escola de Neurociências de Paris, pretende travar a morte dos neurónios dopaminérgicos, reduzindo, nomeadamente, o stress oxidativo, que tem um “efeito tóxico nas células neuronais”, a aglomeração da proteína alfa-sinucleína e a disfunção nas mitocôndrias, estruturas celulares envolvidas na produção de energia.
Com o intuito de aumentar a eficácia da resposta dos roedores às substâncias que lhes forem administradas, será usada a técnica da ultra-sonografia focada, em que feixes de ultra-sons são utilizados para incidir em pontos específicos do cérebro danificados.
A técnica, que não exige intervenção cirúrgica, permite dirigir os fármacos às zonas do cérebro afectadas pela doença de Parkinson e ajustar as dosagens, abrindo por um curto período de tempo, entre duas a quatro horas, antes da administração dos compostos, a barreira hematoencefálica, uma estrutura protectora do sistema nervoso central.
O uso da ultra-sonografia focada será complementado com imagens por ressonância magnética funcional, que possibilitam visualizar as variações ocorridas na actividade neuronal.