Até 2030 mais de metade dos professores vão reformar-se. CNE alerta que é preciso acautelar eventual escassez
Entre os professores, 52,9 por cento têm 50 e mais anos de idade. Em cinco anos, os alunos inscritos nas áreas de formação para a docência caíram para metade.
Até 2030 mais de metade (57,8%) dos actuais professores do quadro poderão aposentar-se. A constatação não surpreende, considerando que 52,9% dos professores têm 50 e mais anos de idade e apenas 1,1% se situam abaixo dos 35 anos. Mas está contida em jeito de alerta no estudo que o Conselho Nacional de Educação (CNE) fez sobre o regime de selecção e recrutamento do pessoal docente na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. Há razões para estarmos preocupados? “Só se não formos capazes de fazer o planeamento necessário para que tenhamos professores em número suficiente nessa data”, responde Maria Emília Brederode Santos, presidente daquele órgão consultivo.
Poderá não ser uma tarefa fácil. O estudo, feito a pedido do Parlamento, admite que os problemas que afectam a classe docente “podem anunciar uma carência mais generalizada, num futuro próximo, devido ao envelhecimento da população docente e previsíveis aposentações”. Um risco que se adensa quando consideramos que a atractividade da profissão tem vindo a diminuir. Isso vê-se, por exemplo, no facto de o número de alunos inscritos nas áreas de formação para a docência ter caído para metade, nos últimos cinco anos, segundo o estudo.
Esta diminuição da procura pela profissão docente tem origens há muito identificadas: “A insatisfação manifesta-se, quer na conflitualidade que marcou este ano lectivo [2018/2019], quer no estado de exaustão de que muitos se queixam”, sublinha o próprio CNE. Por outro lado, apesar de possuírem elevada experiência profissional, em termos remuneratórios os professores têm evoluído a passo de caracol: “58,4% dos docentes encontram-se nos primeiros quatro escalões dos índices remuneratórios e 0,02% no último escalão.”
Outro motivo de insatisfação dos professores decorre do sistema de recrutamento. “É transparente, mas não diferencia os candidatos nem responde às necessidades das escolas com projectos singulares”, sintetiza o CNE, face a um modelo que se baseia em concursos nacionais centralizados. “Cria uma enorme mobilidade com prejuízo para os docentes e para o trabalho das escolas, sobretudo para as que se situam em zonas sensíveis onde a estabilidade do corpo docente é fundamental para o desenvolvimento dos projectos educativos e para a criação de uma cultura de escola”, acentua.
Governo está atento
O Governo não parece alheado destas dificuldades. Ao PÚBLICO, fonte do gabinete do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, adiantou que “o Governo está a analisar, com detalhe, as necessidades de substituição de professores por via de aposentação, para identificar necessidades por grupo de recrutamento e por região”. Por outro lado, “será feito trabalho em conjunto com as instituições de ensino superior com responsabilidades na formação de professores, para mapear necessidades relativas à formação inicial de professores, avaliando os modelos existentes desta mesma formação inicial”, acrescentou aquele fonte.
De resto, no seu programa de governação, António Costa tinha-se já proposto “proporcionar condições para uma maior estabilidade e rejuvenescimento do corpo docente” e elaborar “um plano de recrutamento que tenha em conta as mudanças em curso e as tendências da evolução na estrutura etária da sociedade e, em particular, o envelhecimento da classe docente”.
O estudo percorre vários sistemas europeus de recrutamento de professores e conclui que o sistema preponderante é o aberto, em que as vagas e o recrutamento são geridos directamente pelas escolas ou pelas autoridades locais, permitindo aos professores candidatarem-se directamente às escolas. Outro dos denominadores comuns aos países que o CNE analisou é que há um planeamento da procura e da oferta de professores a médio e longo prazo. Países como França, Finlândia, Holanda e Dinamarca conseguem, assim, antecipar a eventual escassez de docentes em disciplinas específicas e adaptar o corpo docente às transformações demográficas.
Em Portugal esse planeamento não se faz, embora o Governo se tenha igualmente comprometido, no seu programa, a “elaborar um diagnóstico de necessidades docentes de curto e médio prazo”. Essa necessidade agudiza-se se considerarmos que, apesar do actual excesso de oferta de professores, “existem algumas áreas disciplinares em que não é fácil para as escolas garantir substituições pontuais ou temporárias de professores”, frisa o CNE.
Preparando eventuais mudanças, o CNE traça para Portugal três cenários possíveis quanto ao recrutamento de professores. Desde o cenário A, que corresponde ao modelo vigente, passando pelo cenário B — que sugere uma contratação a nível intermunicipal — ao cenário C, em que o recrutamento se faz ao nível dos agrupamentos escolares, numa lógica que se aproxima da que já vigora nalgumas das escolas portuguesas com contrato de autonomia ou situadas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária. Mas o próprio CNE aponta riscos a este recrutamento feito a nível local, nomeadamente o de gerar favorecimentos indevidos e dificuldades de recrutamento em escolas menos “atractivas”. “O melhor cenário poderá resultar de uma combinação dos vários propostos”, adianta Maria Emília Brederode.