Porque é que os soluços nos bebés são tão importantes?
Quando os bebés soluçam, estão a aprender a controlar músculos ligados à respiração.
Os soluços nos bebés são frequentes e podem até assustar alguns pais. Mas, na verdade, têm uma função crucial no seu desenvolvimento. A partir de um estudo a 13 bebés, uma equipa de cientistas do Reino Unido percebeu que os soluços desencadeiam ondas cerebrais que poderão ajudar o bebé a aprender como deve controlar a sua respiração. Segundo o artigo publicado na última edição da revista científica Clinical Neurophysiology, esta é a primeira prova científica de que os soluços modificam a actividade cerebral.
Kimberley Whitehead, investigadora da University College de Londres, começa por explicar ao PÚBLICO que já se sabia que os soluços são comuns nos bebés e isso podia ter um papel no nosso desenvolvimento.
Para confirmar isso, a equipa de Kimberley Whitehead analisou ataques de soluços de 13 bebés prematuros e outros que tinham nascido só no final do tempo normal de gestação. A sua actividade cerebral foi registada com electroencefalografias (EEG) através de eléctrodos colocados no couro cabeludo e sensores de movimento no tronco.
Observou-se então que as contracções no músculo do diafragma provocadas pelos soluços estimulavam uma resposta “acentuada” do córtex cerebral. Concretamente, registavam-se duas grandes ondas cerebrais seguidas por uma terceira. Contudo, Kimberley Whitehead assinala que não se percebeu completamente o significado desta terceira onda. “A razão pela qual a terceira onda é interessante é que parece ser diferente das actividades cerebrais típicas associadas ao toque e ao movimento”, esclarece. Como esta onda cerebral é semelhante às que são estimuladas por sons, uma das possíveis explicações é que o cérebro do bebé possa ser capaz de associar o som “ic” – do soluço – através da contracção do diafragma.
A equipa concluiu assim que, ao dar ao cérebro informação sensorial vinda do diafragma, os soluços podem ter um papel útil no nosso desenvolvimento. Isto é, podem ajudar os bebés a aprender a controlar os músculos ligados à respiração. Neste caso, podem “ensinar” os bebés a controlar o movimento para cima e para baixo do diafragma. “Os soluços nos bebés podem ser comuns porque são uma informação sensorial de que o cérebro precisa para se desenvolver. O cérebro adulto já não precisa disso”, explica Kimberley Whitehead.
Segundo o artigo, os soluços dos bebés começam ainda na barriga da mãe, logo às nove semanas de gestação, e os bebés prematuros passam cerca de 15 minutos por dia a soluçar.
Um vestígio da infância
Para explicar a função dos soluços, a investigadora acrescenta ainda que, durante o desenvolvimento, o cérebro constrói um “mapa” do corpo para saber onde estão os músculos. Só assim seremos capazes de controlar adequadamente esses músculos, como o do diafragma.
“Neste trabalho, mostrámos que os soluços dão ao cérebro informações sensoriais sobre os músculos da respiração, o que permite construir um ‘mapa’ cerebral do sítio onde se encontram esses músculos.” Num outro trabalho, esta equipa também sugeria que, quando os bebés estão a pontapear no útero, podem estar já a criar mapas mentais dos seus corpos.
Lorenzo Fabrizi, coordenador do estudo e também investigador da University College de Londres, destaca por sua vez num comunicado sobre o trabalho: “Quando nascemos, os circuitos que processam as sensações corporais não estão completamente desenvolvidos, por isso o estabelecimento dessas redes é crucial nesta etapa de desenvolvimento dos recém-nascidos.”
Este trabalho deixa ainda outras questões em aberto. “Os nossos resultados sugerem-nos que os soluços nos adultos, que aparentemente são um incómodo, podem, na verdade, ser um reflexo vestigial herdado da infância quando ainda tinham uma função importante”, propõe Kimberley Whitehead. À CNN, a cientista disse mesmo que não há “vantagens conhecidas” dos soluços nos adultos e que eles podem ser “resquícios de períodos iniciais da nossa vida que persistem numa idade mais avançada”.
Kimberley Whitehead vai continuar a estudar o cérebro dos bebés. Desta vez, vai centrar-se na forma como o movimento desencadeia mudanças na actividade cerebral em bebés que têm lesões cerebrais.