Renda da ex-biblioteca do Marquês, agora cafetaria, sobe quase 800%
Vencedor da hasta pública é sócio do actual arrendatário, mas saiu da sessão a ponderar desistir do negócio. Manuel Leitão - que em 2012 ganhou a licitação, mas nunca pôde ocupar o espaço - queria reabrir biblioteca do Marquês. Subida “assombrosa” dos preços desfez o sonho
A sessão da hasta pública não demorou mais do que 15 minutos e a base de licitação, de 570 euros, escalou rapidamente até aos 4500: uma subida de quase 800% em relação à renda actual. Será esse o valor que o vencedor terá de pagar mensalmente pelos 43 metros quadrados do espaço, a ex-biblioteca Pedro Ivo, na Praça do Marquês do Pombal, onde instalará uma cafetaria – isso, se o negócio for mesmo avante. À saída da Câmara do Porto, André Gomes, o “vencedor”, dizia estar a ponderar desistir.
Ao lado, Joaquim Fernando, seu sócio e gerente da cafetaria do Marquês nos últimos cinco anos, estava revoltado com o processo. A dupla queixava-se da fotografia usada no portal da autarquia para publicitar a hasta pública: “Quem veio fazer um lance com a ideia daquela imagem pensou que estava tudo direitinho e não está. Aquilo são apenas quatro paredes, tudo o resto é meu. Gastei 30 mil euros recuperar o espaço”, lamentava.
A subida “descontrolada” das ofertas levaram André Gomes na maré, justificou, mas poucos minutos depois da sessão encerrar a renda de 4500 euros (54 mil euros anuais) já lhe soava financeiramente inviável. “Este valor não tem assunto”, comentou com o PÚBLICO, “gostava de manter o espaço do meu sócio, mas assim vai ser difícil.” Se desistir, o segundo valor mais alto deverá assumir a cafetaria.
A Sala da Assembleia Municipal, nos Paços do Concelho, ficou composta de candidatos. A concessão de exploração do espaço estava restrita à “instalação de um estabelecimento de cafetaria”, havia informado o município no anúncio da hasta pública. Mas isso não afastou quem tencionava contornar a limitação.
Manuel Leitão - o empresário que em 2012 fez a licitação mais alta mas que viu a sua adjudicação anulada pela Câmara do Porto, já com Rui Moreira na presidência – pediu a palavra no início da sessão. Mas diz nem ter conseguido formular a pergunta que trazia na ponta da língua.
“Queria saber o que entendiam por cafetaria. Tive o cuidado de ir ver ao dicionário da Porto Editora e tentei dizer, nem sei se chegou a ser ouvido, que se trata de um estabelecimento onde se serve cafés e outras bebidas leves”, contou ao PÚBLICO. “Tentei perguntar se isto não era compatível com o funcionamento de uma biblioteca nos moldes antigos dela, tendo uma maquineta onde as pessoas pudessem, com moedas, comprar cafés, bolos e outras bebidas.”
A “pergunta técnica”, responderam-lhe da mesa, deveria ter sido colocada antes. E o assunto morreu. A partir daí, a hasta pública arrancou e os valores subiram de forma “assombrosa”, relatou. “Por 54 mil euros por ano até se compra um T0 com aquele tamanho.” Em Setembro, a hasta pública de três quiosques municipais no centro do Porto já havia subido a valores elevados: uma das pequenas estruturas, na Avenida dos Aliados, foi adjudicada por 11800 euros.
Se a ideia de Manuel Leitão para o pequeno espaço fosse possível, o empresário estaria disponível para abrir no Marquês uma biblioteca pública, devolvendo àquelas quatro paredes a ideia inicial, datada de Janeiro de 1948. Num jardim da cidade nascia uma das primeiras bibliotecas populares do Porto, chamada Pedro Ivo e mais tarde classificada como infantil, pelo tipo de livros privilegiados naquele local onde os mais novos se abeiravam dos livros.
O espaço acabaria por ser encerrado no início do século, mantendo as portas fechadas até 2012. Nessa altura, um grupo de pessoas ocupou o edifício tentando transformá-lo na Biblioteca Popular do Marquês. O sonho, porém, não durou mais do que três dias - a Polícia Municipal e uma equipa da Domus Social retiraram o “recheio” e emparedaram o local, um destino não muito diferente do que havia sido dado ao movimento ES.COL.A do Alto da Fontinha, que foi despejado e detido pela polícia quando ocupou o antigo estabelecimento de ensino para lá instalar um projecto educativo para crianças do bairro.
Com Rui Rio presidente, aquele edifício foi, então, colocado em hasta pública, com uma base de licitação de 260 euros e sem destino definido pela autarquia. No entanto, o caderno de encargos estipulava como “fundamento de resolução” do contrato a “utilização das instalações para fim e uso diverso do autorizado pela autarquia”. E nessa brecha se viu Manuel Leitão, responsável pelo guia Porto Menu, que viu uma das suas edições retiradas dos espaços municipais por ter uma capa com a frase “Rio és um FDP”, algo que o tribunal considerou insultuoso, mas que o empresário alegou serem as siglas de “Fanático Dos Popós”. Após dois anos de portas fechadas, Rui Moreira acabaria por entregar o espaço ao segundo classificado.