Jorge Bacelar, o veterinário-fotógrafo que gosta de fotografar o mundo rural
Depois de várias distinções, Bacelar lança o livro Ruralidades. “É neste ambiente que eu encontro a luz que quero, que tenho as pessoas que eu sinto como família.”
Ao fim de alguns minutos de conversa, é fácil perceber que há duas coisas que lhe causam um brilho especial no olhar: a paisagem da ria de Aveiro – em especial aquela que se estende ao longo da Torreira – e os rostos das pessoas que tem vindo a fotografar. É extraordinário ver como consegue lembrar-se do nome de todos. “Estas pessoas são como se fossem da minha família”, diz, com um misto de carinho e orgulho. São agricultores, gente que vive da terra e do gado, e que Jorge Bacelar tem vindo a fotografar. Rostos, expressões e poses captadas no seu próprio meio, com os animais e os produtos da terra por perto. Ruralidades, tal como indica o título do livro que o veterinário-fotógrafo acaba de lançar e que reúne mais de 150 imagens.
Nascido em Figueira de Castelo Rodrigo, em 1966, mas com raízes na Póvoa de Varzim, Jorge Bacelar fez-se veterinário em Vila Real, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Precisamente no primeiro ano de funcionamento do curso de medicina veterinária, lembra. Foi, depois, estagiar para Saragoça, Espanha, e na hora de regressar a Portugal acabou por ir parar ao concelho da Murtosa, na região de Aveiro. “Surgiu um lugar na Cooperativa do Bunheiro e acabei por fazer desta a minha terra. Já cá estou há mais de 20 anos”, declara. Actualmente, trabalha na Proleite, cooperativa que lhe permitiu conhecer muitos mais agricultores, a quem faz questão de chamar “amigos”.
Contrariamente ao que se possa pensar, só há meia dúzia de anos é que Jorge Bacelar “despertou” para a fotografia. “Comecei por fazer vídeo, a registar este ecossistema que é a ria e só mais tarde, quando conheci aquele que eu considero o meu mestre, o António Tedim, é que passei a fotografar”, recorda. Deixou as paisagens do exterior e passou a entrar pela casa das pessoas adentro, com uma Sony A77 (a sua primeira máquina) ao ombro. Começou, assim, a “fotografar o mundo rural”.
A tarefa ficou facilitada pelo facto de estas pessoas o conhecerem “há muitos anos”, por força da actividade veterinária. “A maior parte delas tratam-me como um membro da família”, vinca. “Até acredito que, no início, eles estivessem com algumas dúvidas se as fotos ficariam bem ou mal, mas só o facto de me verem feliz a fotografar deixava-as satisfeitas”, prossegue. Hoje, os seus “modelos” são também os seus maiores fãs. “Gostam do resultado final, sentem-se felizes ao ver as fotos”, acrescenta o veterinário-fotógrafo, que já ganhou vários prémios, inclusive em competições da UNESCO e na World Photographic Cup.
Trabalha apenas com uma câmara fotográfica e uma objectiva – “a minha lente são os meus pés, a minha proximidade com as pessoas”, refere – e o cenário é sempre o mais real possível. Sem iluminação e retoques artificiais. Os retratos são adornados apenas com animais e os produtos que a terra dá. “Além do rosto, tento apanhar as mãos, porque elas também falam e contam muito sobre as pessoas, e também o fruto do seu trabalho e os animais com os quais eles convivem diariamente”, realça.
Uma selecção entre milhares de fotografias
Em Ruralidades, Jorge Bacelar apresenta uma selecção dos muitos retratos que tem vindo a fazer nestes seis anos de fotografia. Gente da Murtosa, de Estarreja, de Ovar e também de Figueira de Castelo Rodrigo, que dedica grande parte do seu dia a cultivar a terra e a tratar do gado. A pensar neles, a apresentação do livro viajará até aos seus territórios: depois do lançamento oficial, realizado esta quarta-feira em Lisboa, haverá sessões na Murtosa (sábado, 16h), Porto (sábado, 21h30), Estarreja (dia 24, 15h) e Ovar (dia 24, 17h30).
Jorge Bacelar opta por não classificar as imagens do livro como sendo as suas “melhores fotografias”. Prefere apresentá-las como “uma selecção” das milhares de imagens que já fez – escolha para a qual muito contribuiu o seu editor, da Centro Atlântico, refere – e que quer continuar a fazer. “A fotografia é um vício que entra e nunca mais sai”, repara, deixando a confissão: “Por vezes, comovo-me a fotografar e também a ver as fotografias deles em casa.” Porquê? “É a minha gente que está nas fotos”, testemunha.
Mesmo não tendo ainda definido planos ou projectos futuros na área da fotografia, Jorge Bacelar dá como certo que continuará a trabalhar em torno do mundo rural. “O que me move na fotografia são os agricultores e este ambiente. É neste ambiente que eu encontro a luz que quero, que tenho as pessoas que eu sinto como família e é neste ambiente que quero continuar a trabalhar”, assevera. Quanto a futuros livros ou exposições – do seu currículo já constam apresentações no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, no Barreiro, Figueira de Castelo Rodrigo, Estarreja e Ovar –, também prefere deixar que o destino o surpreenda. “Não gosto de fazer grandes planos, nem de fazer as coisas a correr”, conta.