“A morna já é Património da Humanidade”, anuncia ministro da Cultura cabo-verdiano

“A nação já pode celebrar: a morna já é Património da Humanidade”, comunicou o ministro da Cultura de Cabo Verde, acerca do conhecido género musical daquele país. A decisão pública deverá ser conhecida em Dezembro, na Colômbia.

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A cantora Cesária Évora, que morreu em 2011, talvez o maior símbolo da morna D.R.

O género musical morna foi classificado como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, comunicou esta quinta-feira o ministro da Cultura de Cabo Verde, Abraão Vicente, numa decisão que será ratificada em Dezembro.

“Caros cabo-verdianos, tenho a sorte, a honra e o privilégio de vos comunicar que hoje o comité técnico dos peritos da UNESCO aprovou o dossier da morna a Património da Humanidade”, revelou Abraão Vicente, na noite de quinta-feira, na sua página pessoal no Facebook. Na mensagem nesta rede social, o ministro adiantou que “a decisão será ratificada em Dezembro”, na Colômbia, “mas a nação já pode celebrar: a morna já é Património da Humanidade”.

A publicação é acompanhada de três fotografias com tocadores e cantores de morna, e uma cópia da passagem do texto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, em inglês) que decide classificar o género musical cabo-verdiano. Esta semana, durante uma visita à Cidade Velha, sítio histórico classificado como Património Mundial da Humanidade na ilha de Santiago, Abraão Vicente disse que a morna seria elevada a Património Imaterial da Humanidade ainda este mês. Fonte oficial da UNESCO referiu entretanto à Lusa que a classificação da morna como Património Imaterial da Humanidade tem apenas uma indicação positiva prévia, remetendo a decisão final para o comité intergovernamental, que reúne entre 9 e 14 de Dezembro, em Bogotá. “Não [a morna ainda não é oficialmente Património Imaterial da Humanidade], a decisão final pertence ao Comité Intergovernamental de salvaguarda do Património Imaterial da Humanidade, um órgão independente que se vai reunir em Bogotá entre 8 e 14 de Dezembro de 2019”, alerta a UNESCO.

Cabo Verde apresentou em Março do ano passado a candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade, que contou com a colaboração do antropólogo Paulo Lima, especialista português na elaboração de processos de candidatura a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO, como o fado, o cante alentejano e a arte chocalheira.

Em 2012, um ano depois da morte da cantora Cesária Évora, talvez o maior símbolo musical do país, o governo de Cabo Verde tinha aprovado uma resolução que classificava o género musical como Património Histórico e Cultural Nacional, naquele que foi um primeiro passo para a classificação pela UNESCO de Património Imaterial da Humanidade.

A morna é um género musical tradicionalmente tocado com instrumentos acústicos, reflectindo a realidade insular da população de Cabo Verde, o romantismo dos seus trovadores e o amor à terra, o ter de partir e querer ficar, a saudade. Principalmente nas três últimas décadas, a morna tornou-se conhecida mundialmente, com vários nomes a distinguirem-se na sua interpretação ao longo dos anos, de Fernando Quejas a Bana ou Ildo Lobo, de Maria Alice a Celina Pereira, passando pelas novas gerações, de Lucibela a Cremilda Medina.

Quem também se tem distinguido é a cantora e compositora Teté Alhinho, que há cerca de um ano em entrevista ao PÚBLICO, caracterizava assim o impacto da morna no país: “A morna é uma das nossas expressões identitárias mais fortes. Não há nenhum cabo-verdiano que fiquei indiferente a uma morna, porque o cabo-verdiano verteu nela a nostalgia, a saudade da terra, o passar mal, as dores amorosas, as perdas. A temática da morna está relacionada com a dor, embora hoje já mude um bocadinho. E foi através da morna, com a Cesária, que Cabo Verde se deu a conhecer ao mundo, com Sodade, que é uma morna rápida”. Há outros géneros musicais em Cabo Verde, mas a morna sobressai. “É um factor identitário de comunhão entre todos os cabo-verdianos e é algo que nunca vai morrer, que vai existir sempre. Se analisarmos as mornas, podemos ver através delas a história de Cabo Verde.”

Já esta sexta-feira, depois de postas a circular as noticias, a cantora e compositora Teté Alhinho, na Cidade da Praia, na Ilha de Santiago, disse ao PÚBLICO que “a valorização da morna significa também a valorização do país”, acrescentando que “a música e a cultura de Cabo Verde já é bem-recebida e compreendida no mundo, mas este reconhecimento vai fazer com que seja ainda mais notória, abrindo novas portas à cultura.”

O conhecido empresário e produtor José da Silva – também conhecido por Djô da Silva – que lançou dezenas de carreiras artísticas, sendo o nome de Cesária Évora o mais emblemático, é da opinião que se trata de “um grande reconhecimento internacional para a música de Cabo Verde, representando muitos anos de trabalho de artistas, produtores e outros agentes, bem como dos nossos compositores, escritores e poetas, que fizeram mornas extraordinárias.”

Além da morna, há nas ilhas cabo-verdianas outros géneros como a coladeira, o batuco, o funaná ou a tabanka, mas a morna sobressai. “É o género musical que expressa o nosso sentir, a nossa alma, aquilo que conta a nossa história. Os outros géneros são menos conhecidos porque ficaram mais confinados às suas ilhas”, diz Teté Alhinho, numa linha de pensamento que José da Silva segue. “Cada ilha tem a sua cultura e estilos próprios, mas o único género que está presente em todas e é consensual é a morna.”