O aumento do salário mínimo já não divide o país
Se é verdade que a maioria dos empresários portugueses se preocupa em distribuir os ganhos das empresas pelo universo dos seus trabalhadores, continua a haver muitos outros que só o farão se a lei os obrigar.
Entre a torrente de propostas que nos últimos dias se abateu sobre o país a propósito do programa do Governo, uma mereceu especial destaque e atenção: o aumento gradual do salário mínimo nacional para 750 euros até 2023. A escolha e o debate que suscitou justificam-se. Uma iniciativa com este alcance implica cuidados económicos, preocupações sociais e uma valorização do factor trabalho que não deixa ninguém indiferente. Travar a pobreza das pessoas que trabalham é uma questão ética incontornável e esse objectivo está longe de se conseguir apenas no âmbito das dinâmicas do mercado. Forçar a subida do salário mínimo através da acção política do Governo, mesmo que sujeita a um acordo em sede de Concertação Social, é hoje, e ao contrário de outros momentos do passado, uma questão razoavelmente pacífica na sociedade portuguesa.
Bem sabemos que, apesar de as empresas serem sujeitas a um enorme esforço para acomodar uma subida prevista para a ordem dos 50% do salário mínimo em duas legislaturas, os valores que hoje se pagam são claramente insuficientes para garantir uma vida digna, principalmente a quem habita nas grandes cidades. Mas, apesar dessa insuficiência, é um dever notar que, neste particular, o país segue pelo caminho correcto e praticamente sem custos económicos visíveis. Se uma empresa não consegue remunerar os seus trabalhadores com o salário mínimo, é porque dificilmente terá lugar numa economia que se quer mais moderna e competitiva. Muitas terão perecido, mas esse processo resulta mais de um saudável processo de selecção natural do que de um dano causado à economia.
De resto, é possível ver no aumento do salário mínimo a garantia por via legal de um dos princípios mais basilares de uma economia sã (a que se empenha na redistribuição). Se podemos perceber que 28% dos trabalhadores da indústria transformadora recebem o salário mínimo em consequência dos problemas estruturais das suas empresas, custa menos entender que 32,5% dos empregados no sector do turismo, que atravessa um momento de forte expansão, tenham salários situados nessa fasquia. Caso para se constatar que, se é verdade que a maioria dos empresários portugueses se preocupa em distribuir os ganhos das empresas pelo universo dos seus trabalhadores, continua a haver muitos outros que só o farão se a lei os obrigar. Também por isso o aumento significativo do salário mínimo é um progresso para a sociedade portuguesa.