Presidente do Chile faz mea culpa e anuncia reformas sociais
A frustração da classe média, e dos que nela querem entrar, está na origem da vaga de violência que há quase uma semana varre o Chile.
Ao fim de seis dias de protestos e de 18 mortos, a situação na “mais estável democracia da América Latina” continua crítica. Os tumultos abrandaram mas o estado de emergência e o recolher obrigatório permanece em vigor. Na terça-feira à noite, o Presidente Sebastián Piñera pediu perdão aos chilenos, apresentou uma nova agenda de medidas sociais e abriu um processo de diálogo com a oposição. As centrais sindicais tinham convocado, para ontem e hoje, uma greve geral, exigindo o fim do recolher obrigatório e o regresso dos soldados aos quarteis.
Disse Piñera: “É verdade que os problemas se acumulavam desde há muitas décadas e que, nos diversos governos, não fomos capazes de reconhecer esta situação em toda a sua magnitude. Reconheço e peço perdão por esta falta de visão.”
Anunciou uma série de medidas, do aumento do salário mínimo garantido a um agravamento dos impostos sobre os rendimentos superiores a oito milhões de pesos mensais (cerca de dez mil euros). Depois de já ter anulado a subida do preço dos bilhetes de metro, garantiu a estabilização das tarifas de electricidade e medidas para baixar o preço dos medicamentos. Prometeu que a “classe política” também será afectada, com uma redução das altas subvenções parlamentares e uma redução dos salários do alto funcionalismo.
O Presidente faz assim uma marcha atrás, depois de ter atiçado os protestos com uma retórica incendiária, com declarações deste tipo: “Estamos em guerra contra um inimigo poderoso e implacável que não respeita nada nem ninguém e está disposto a usar a violência.” Este dito mereceu uma desautorização por parte do comandante das Forças Armadas, general Javier Iturriaga: “Não estou em guerra com ninguém”, disse aos jornalistas. Tendo começado por insinuar a existência de uma conspiração internacional contra o Chile, Piñera reconhece o mal-estar social.
Os tumultos foram desencadeados por jovens e provocadas por um pequeno aumento do preço dos bilhetes de metro em Santiago, a gota que fez transbordar o copo. Alastraram de modo fulminante e alastraram a outras cidades. Na capital, os manifestantes incendiaram oito estações do metro e 16 autocarros, assaltaram edifícios públicos e saquearam supermercados e farmácias. Se a iniciativa dos jovens não oferece dúvidas, não é ainda claro quem liderou o vandalismo. Piñera decretou o estado de emergência na noite de sexta-feira. Os militares usaram balas de borracha e gás lacrimogéneo contra os manifestantes. Alguns destes morreram queimados na sequência da pilhagem de um supermercado.
Porquê?
A surpresa foi evidente. O Chile, a mais desenvolvida economia e a mais estável democracia da América Latina, era o último país em que se esperavam tumultos e saques.
Alguns analistas temeram que os tumultos de Santiago fossem uma repetição do chamado “Caracazo”, o movimento de protesto que paralisou a Venezuela em 1989, depois do governo de Andrés Perez ter adoptado um programa económico de austeridade imposto pelo FMI. Mas a subida do preço dos transportes no Chile foi sugerido ao governo de Piñera por uma comissão de especialistas e não pelo FMI.
A primeira resposta simples é remeter a origem dos protestos à rejeição do modelo económico neoliberal que a democracia chilena herdou da ditadura militar de Pinochet. Se esta explicação tem uma parte de verdade pouco esclarece. O modelo económico chileno foi mantido por governos de esquerda e de direita. Piñera foi eleito, em 2017, para um segundo mandato com um programa neoliberal que os eleitores sancionaram.
Os chilenos queixam-se de ter índices económicos de primeira classe e salários e prestações sociais de um país atrasado, para mais com um custo de vida de nível europeu. Queixam-se do “injusto preço que pagam pelo crescimento económico”, a começar pelo incremento das desigualdades (ver ao lado).
Os estudantes, com destaque para os do ensino secundário, são a tradicional força motora do protesto no Chile. O ensino é privado e caro. As famílias e os estudantes endividam-se. A duas grandes vagas de contestação, a “revolução dos pinguins” (liceais) de 2006 e a grande mobilização de 2011 tiveram como eixo as regras de acesso ao ensino superior.
O caso do Chile não é independente da situação geral na América Latina. Depois do grande ciclo de expansão, a partir de 2000, com base no boom das commodities, da exportação de matérias-primas e produtos agrícolas, os preços internacionais caíram e as economias ressentem-se. Quando o preço do cobre desce, a economia chilena adoece.
O economista chileno Patricio Navia aponta duas razões de fundo para a crise. A política de Piñera visava, ao mesmo tempo, eliminar a pobreza e favorecer os ricos, fazendo com que a classe média ou os que nela desejam entrar se sintam abandonados. “A razão real por trás da raiva está na frustração da população. Foi-lhes prometido o acesso à terra prometida do status da classe média, mas a porta foi-lhes foi fechada por uma elite abusiva e um governo irresponsável.”