Trump deixou-se influenciar por Orbán e Putin sobre a Ucrânia
O Presidente dos EUA terá ficado com uma percepção negativa da Ucrânia e do seu Presidente, Volodimir Zelensky, ao falar com o primeiro-ministro húngaro e com o Presidente russo. Os mais próximos de Trump diziam-lhe que o líder ucraniano podia ser um aliado na Europa de Leste.
Donald Trump foi influenciado pelo primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e pelo Presidente russo, Vladimir Putin, para que assumisse uma posição dura contra o chefe de Estado ucraniano, Volodimir Zelensky. Influências que contribuíram para que o Presidente dos EUA exigisse a Zelensky que investigasse Joe Biden, principal candidato democrata à Casa Branca nas presidenciais de 2020, e o seu filho, Hunter, em troca do desbloqueio da ajuda militar.
Nenhum dos dois líderes encorajou Trump a pressionar Zelensky para que ordenasse a abertura de uma investigação aos Biden, mas as suas palavras reforçaram a percepção do Presidente norte-americano de a Ucrânia ser um país disfuncional onde a corrupção grassa, diz o Washington Post. Trump conversou, continua o jornal, com Putin ao telefone e encontrou-se com Orbán na Casa Branca nas semanas que separaram a eleição de Zelensky, a 21 de Abril, e a sua tomada de posse, a 20 de Maio. E, a 3 de Maio, Trump perguntou a Putin sobre a sua opinião pessoal sobre Zelensky e falaram por telefone a 31 de Julho, já depois de Trump ter pressionado o seu homólogo ucraniano.
Trump é conhecido por procurar pessoas que confirmem as suas próprias opiniões, recusando todas as outras que as contestem, como explica o jornalista norte-americano Bob Woodward no livro Medo. Os seus conselheiros opunham-se a decisões que fragilizassem os laços entre Washington e Kiev, nomeadamente a suspensão de ajuda militar ao regime ucraniano, enquanto Orbán e Putin viam o enfraquecer dessa relação com bons olhos.
A Hungria e a Ucrânia têm uma velha disputa fronteiriça e Orbán acusa Kiev de maltratar a minoria falante de húngaro no seu território. Já Putin apoia os separatistas pró-russos no Leste da Ucrânia e há anos que combate a influência dos Estados Unidos na Europa de Leste – disso é exemplo a guerra contra a Geórgia, em 2008, para impedir que esta aderisse à NATO.
A Câmara dos Representantes, de maioria democrata, avançou com as investigaçãoes para abrir um processo de impeachment e começou a ouvir pessoas próximas de Trump para apurar se o Presidente violou a lei ou se a sua conduta justifica o impeachment. Em causa está um telefonema entre Trump e Zelensky, a 25 de Julho, em que o primeiro pressionou o segundo a investigar o filho de Joe Biden, Hunter, que trabalhou para uma empresa de extracção e produção de gás na Ucrãnia, enquanto o pai, então vice-presidente de Barack Obama, defendia a independência energética da Ucrânia. Em troca da investigação, Trump desbloquearia os 393 milhões de dólares em ajuda militar.
A situação veio a público depois de ao que tudo indica um elemento da CIA ter avançado com uma queixa a denunciá-la. O denunciante acusou ainda a Casa Branca de encobrir a conversa telefónica ao transferir os seus registos para um sistema dedicado a informações sensíveis.
A influência destes dois líderes políticos foi revelada pelo vice-assistente do secretário de Estado, George Kent, perante os investigadores do processo de impeachment da Câmara dos Representantes. Fê-lo à porta fechada, mas, diz o Washington Post, referiu a influência de Putin e Orbán como factores que ajudaram Trump a ter uma imagem negativa de Zelensky, ao contrário do que alguns dos seus mais próximos, que assistiram à tomada de posse do chefe de Estado ucraniano, lhe tinham dito: Zelensky podia ser um aliado pró-ocidental na Europa de Leste.
As tentativas de Putin em influenciar Trump sempre foram uma preocupação entre os mais próximos do Presidente norte-americano, Recorde-se a cimeira bilateral em Helsínquia, na Finlândia, em 2018. As saídas de Jim Mattis, secretário de Defesa, e do chefe de gabinete de Trump, John F. Kelly, enfraqueceram as fileiras de quem o tentava evitar. E a saída do antigo conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, foi mais um golpe nessa fileira.
“Ao longo do tempo, apenas se viu um cair das defesas”, resumiu um antigo funcionário da Casa Branca ao Washington Post.
O contacto entre Trump e Orbán foi outra das preocupações. O círculo próximo de Trump, continua o Washington Post, estava preocupado que os dois líderes se dessem demasiado bem em privado e que o segundo conseguisse influenciar o primeiro. Por isso tentaram impedir que um encontro acontecesse, mas sem sucesso, muito por causa das saídas de quem tentava impedir influências externas.
“Basicamente, toda a gente concordava: não há reunião com Orbán”, disse um antigo funcionário da Casa Branca, envolvido nas discussões sobre o assunto, ao jornal norte-americano. “Éramos contra por sabermos que havia boas hipóteses de Trump e Orbán criarem laços e se darem bem”. Reunidos na Casa Branca, os dois líderes estiveram sozinhos por uma hora e nenhumas notas foram feitas.
A campanha para as presidenciais de 2020 foi a grande motivação de Trump para pressionar Zelensky, e não a influência de Orbán ou Putin: o Presidente precisava de trunfos para prejudicar o seu mais directo rival democrata. Daí ter pressionado Zelensky para que investigasse a teoria de conspiração de a influência russa nas eleições de 2016 ter partido da Ucrânia e não da Rússia e os negócios de Hunter Biden na Ucrânia, relacionando-os a gestão governativa do pai.
Trump nunca aceitou que a sua chegada à Casa Branca tenha tido ajuda russa e tem-se dedicado a apoiar, em conjunto com o seu advogado pessoal, Rudolph W. Giuliani, a teoria da Ucrânia. De acordo com ela, Kiev queria prejudicar os Estados Unidos responsabilizando a Rússia, que vê como a sua maior ameaça, e o aumento da tensão faria com que Washington desse um apoio mais sólido no combate aos separatistas pró-russos.
A teoria de conspiração é vista pela comunidade dos serviços secretos norte-americana como isso mesmo: uma teoria da conspiração. A comunidade é unânime a considerar que a Rússia tentou influenciar as presidenciais de 2016, o que já foi confirmado por vários relatórios e pela investigação do conselheiro especial Robert Mueller.