Yamandu e Borghetti, dois músicos geniais num encontro único em Lisboa
Os músicos e compositores brasileiros Yamandu Costa e Renato Borghetti apresentam ao vivo em Lisboa o resultado de um encontro de génios. Quarta-feira na Aula Magna, às 21h
Cada um por si, são um assombro. Mas juntos proporcionam um espectáculo musical de espantosa criatividade, na combinação do violão de sete cordas de Yamandu Costa com a gaita-ponto (instrumento semelhante ao acordeão) de Renato Borghetti. Gravaram um CD e DVD resultante desta feérica parceria, em 2017, mas em quarteto, com Daniel Sá no violão e Guto Wirtti no contrabaixo. Na digressão europeia, porém, estarão “apenas” os dois – e o apenas tem aspas porque o som combinado dos seus instrumentos é grande por si só para encher qualquer palco. É isso que farão em França, Suíça e Áustria, com uma única noite em Portugal. Será esta quarta-feira, em Lisboa, na Aula Magna, às 21h.
Renato e Yamandu nasceram ambos no Rio Grande Sul, na região gaúcha do Brasil, com dezassete anos de diferença, o primeiro em Porto Alegre, em 23 de Julho de 1963, e o segundo em Passo Fundo, em 24 de Janeiro de 1980. Renato Borghetti começou na música aos 10 anos, a tocar uma gaita-ponto que recebeu do pai, acabando por tornar-se rapidamente uma atracção no Centro de Tradições Gaúchas que o pai liderava. Gravou até hoje dezenas de discos, e começou bem: Gaita-Ponto, o seu disco de estreia, foi o primeiro álbum instrumental brasileiro a receber um disco de ouro (100 mil cópias).
Yamandu, também filho de músicos (a cantora Clari Marson e o trompetista e violonista Algacir Costa), recebeu inspiração musical dos pais, mas também dos países vizinhos, Argentina e Uruguai. Começou a estudar violão aos 7 anos, com o pai, e chegou a tocar guitarra eléctrica. A técnica incrível que hoje tem, no violão de 7 cordas, desenvolveu-a de forma autodidacta. Primeiro a ouvir a música de Radamés Gnatalli, e depois Baden Powell, com quem tocou. Tem duas dezenas de discos gravados, a solo ou em parceria.
Prodígio e maturidade
Conheceram-se quando Yamandu era muito novo, como Renato explicou ao PÚBLICO, por telefone: “O que me chamou à atenção foi o Yamandu, muito jovem, ainda criança, tocando maravilhosamente bem, com uma maturidade musical muito grande. Mas às vezes os meninos-prodígio, quando crescem, não dão natural sequência a essa arte. Ora o que eu vejo no Yamandu é que ele ainda segue sendo um violonista diferenciado.”
Yamandu recorda bem esses primeiros momentos, como diz ao PÚBLICO, em Lisboa: “Eu conheci o Renato quando eu tinha uns 13 anos. Foi um artista-revelação no Brasil, com 20 anos, tocando acordeão diatónico, a que gente chama gaita-ponto. E é um ícone do Brasil, particularmente do sul, onde é já uma personagem. E é um artista mesmo, não é um músico intelectualizado, é um intérprete de melodias, como se cantasse melodias com o seu acordeão. E Borghetti não é só Borghetti, com ele vem uma região do país.”
A convite de Renato Borghetti, tocaram juntos em “algumas apresentações”, diz ele: “E a gente acabou por criar amizade. Não só para concertos: quando a gente se encontrava, tocava junto: em festas, em bares, em encontros de amigos. E isso resume o nosso trabalho, que acabou virando um registo em CD e DVD. Porque a gente tocava, mas não tinha gravado nada. E todos perguntavam: não tem disco?” Mas o amadurecimento do trabalho veio antes da gravação, e resultou dos vários anos de trabalho conjunto.
Virtuosismo e equilíbrio
“A gente foi para o estúdio com a ideia de gravar, e na hora veio o repertório”, conta Renato. “Não foi preparado antes. Foram dois dias de gravação e aproveitámos para ver músicas que a gente já tocava e outras que não tocávamos.” O grande desafio de gravar em quarteto (“Individualmente são todos muito bons”) foi, diz ele, “equilibrar tudo isso, porque só com muito virtuosismo e muitas notas, o conteúdo se esvai e não fica tão interessante o resultado. Há uma forma de tocar característica minha, ou do Yamandu, que é o virtuosismo, a velocidade, mas é preciso equilibrar, senão não fica bonito.”
Já Yamandu diz que procurou adequar-se ao repertório de Borghetti. “Ele tem um repertório que já toca e, quando a gente se encontra, eu me adequo mais ao repertório dele do que outra coisa. A intenção do DVD era registar essa amizade. Porque o Renato foi também, para mim, como um padrinho musical. Porque ele foi o primeiro a levar-me para tocar fora do Rio Grande do Sul, quando eu era adolescente; através dele eu conheci o empresário que trabalha comigo até hoje; e a primeira vez que eu fui para a América [EUA] foi com ele. Então, foi Renato que ‘empurrou’ a minha carreira.”