Região do Mediterrâneo aqueceu 20% mais depressa do que a média global
A conclusão faz parte do primeiro relatório científico sobre as alterações climáticas na bacia do Mediterrâneo, que sintetiza os estudos sobre as mudanças ambientais na região.
A temperatura média anual na região do Mediterrâneo subiu 1,5 graus Celsius em relação ao período pré-industrial entre 1880 e 1899. São mais 0,4 graus do que a média global (1,1 graus Celsius). Se não forem tomadas medidas de mitigação, a temperatura pode aumentar 2,2 graus Celsius até 2040 e ultrapassar os 3,8 graus em algumas zonas até 2100. Os dados constam do primeiro relatório científico sobre as alterações climáticas a focar-se na região do Mediterrâneo. Os resultados preliminares são apresentados esta quinta-feira.
O relatório tem o apoio da União para o Mediterrâneo – órgão intergovernamental formado pelos 28 estados-membros da União Europeia e 15 países do Sul e do Leste do Mediterrâneo. Intitulado “Riscos associados às mudanças climáticas e ambientais na região do Mediterrâneo”, o trabalho sintetiza os estudos que existem sobre as mudanças ambientais na zona mediterrânica. A versão final deverá ser apresentada no início de 2020.
A elaboração do relatório junta mais de 80 investigadores da rede de Especialistas em Alterações Climáticas e Ambientais do Mediterrâneo (MedEcc) e começou em 2015. A iniciativa partiu da União para o Mediterrâneo (UpM), cujo objectivo final é promover uma política regional sobre as alterações climáticas na região mediterrânica assente no conhecimento científico. Na introdução do relatório, lê-se que os países da bacia do Mediterrâneo, em especial os do Sul, não possuem actualmente a informação adequada para adoptar medidas que reduzam os riscos associados às alterações climáticas.
“Devemos transformar as mudanças climáticas numa oportunidade de desenvolvimento comum e pacífico, justo e sustentável”, comenta, num artigo de opinião enviado ao PÚBLICO, Nasser Kamel, secretário-geral da UpM. Por outro lado, Grammenos Mastrojeni, o secretário-geral adjunto da UpM e responsável pela divisão de Clima e Energia, também em declarações ao PÚBLICO, fala sobre a importância da resiliência, através de medidas de adaptação e mitigação. “Não resolvemos o problema da água, por exemplo, só com novas tecnologias e infra-estruturas. Resolvemo-lo, sobretudo, reconstituindo as florestas que retêm água e que acabam por atrair chuva.”
Mais “pobres em água”
Por cada grau de temperatura que aumenta, prevê-se que os níveis médios de precipitação baixem 4% na maior parte da região mediterrânica, em particular no Sul. A redução da precipitação, a subida da temperatura e o crescimento da população colocam pressão sobre os recursos hídricos. Num cenário de aquecimento de dois graus Celsius, a disponibilidade de água doce diminuirá entre dois e 15%, um dos maiores decréscimos do mundo. Mais pessoas serão “pobres em água” – ter a acesso a menos do que 1000 metros cúbicos per capita por ano. Em 2013, eram 180 milhões. Prevê-se que nos próximos 20 anos sejam 250 milhões.
A temperatura da água do mar Mediterrâneo aumentou em média 0,4 graus Celsius por década entre 1985 e 2006, alcançando o valor médio de 0,16 graus durante o mês de Junho no mar Adriático, nos mares Tirreno e Lígure – entre o Mónaco e a Sicília – e perto da costa africana, indica o relatório. As projecções para 2100 apontam para uma variação média entre 1,8 e 3,5 graus Celsius, em comparação com o período de 1961 a 1990. As ilhas Baleares, o mar Egeu e o mar Levantino – entre a Turquia e o Egipto – são algumas das regiões onde a subida da temperatura da água deverá ser mais acentuada.
A elevação do nível médio da água do mar no Mediterrâneo tem acompanhado a tendência global, subindo 0,7 milímetros por ano entre 1945 e 2000 e 1,1 milímetros por ano entre 1970 e 2006. No entanto, noutro estudo, registou-se entre 1993 e 2011 um aumento mais significativo, que alcançou os 3 milímetros por ano. A água poderá subir mais de um metro até 2100 e afectar um terço da população que habita regiões costeiras, lê-se no comunicado da MedEcc. Ainda assim, as projecções sobre a variação do nível médio do mar Mediterrâneo são imprecisas, mais do que as previsões globais, por causa das limitações dos modelos utilizados, adverte o relatório.
No mar Mediterrâneo, 90% das reservas de peixes mais comercializados estão sobreexploradas. A aquicultura deverá crescer 112% em países da União Europeia entre 2010 e 2030. Actualmente, a aquicultura no mar Mediterrâneo representa 6% da receita mundial que provém deste modo de produção.
A acidificação e o aumento da temperatura da água do mar já causaram a perda de 41% dos predadores de topo no mar Mediterrâneo, incluindo mamíferos marinhos, refere em comunicado a MedEcc. Devido à pesca excessiva, perderam-se 34% das espécies de peixe. Registam-se também mais de 700 espécies invasoras. Em muitos casos, entram pelo canal do Suez, que une o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho.
Desertos em Portugal?
Os ecossistemas terrestres poderão sofrer alterações sem precedentes nos últimos 10 mil anos, caso o aquecimento seja igual ou superior a dois graus Celsius. Nesse caso, os desertos poderão expandir-se até ao Norte de Marrocos, Espanha e Portugal, lê-se no relatório. As ondas de calor vão aumentar e as secas e os incêndios também. A área ardida na região do Mediterrâneo poderá crescer até 40%, perante um aumento de temperatura de 1,5 graus Celsius, menciona o comunicado da MedEcc.
Cerca de 15 megacidades – cidades costeiras com mais de um milhão de habitantes em 2005 – estão em risco de sofrer inundações devido à subida do nível do mar. Os países do Norte de África e do Leste do Mediterrâneo são os mais vulneráveis, já que a capacidade socioeconómica para se adaptarem é menor.
Até 2050, haverá cidades do Mediterrâneo entre as 20 cidades com mais danos causados pela subida do nível do mar. A produtividade agrícola está em risco nas zonas costeiras devido à perda de área de cultivo e à salinização de águas subterrâneas.
Texto editado por Andrea Cunha Freitas