“O PS sabe ao que vem”, diz Jerónimo que recusa “papel assinado”. Estabilidade “só depende do Governo”

Poucas horas antes de receber António Costa, o líder comunista reitera que o PCP vai analisar e decidir sobre cada proposta do Governo e do PS. Desta vez não há acordos, posições políticas conjuntas ou assinaturas.

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Pedro Fazeres

O Comité Central do PCP reiterou na terça-feira a posição que Jerónimo de Sousa já tinha anunciado na noite eleitoral: “Será em função das opções do PS, dos instrumentos orçamentais que apresentar e do conteúdo do que legislar que o PCP determinará, como sempre, o seu posicionamento”, garantiu o secretário-geral comunista na declaração que leu sobre a reunião daquele órgão comunista. E acrescentou que o partido está “decidido a dar combate a todas as medidas negativas, a todos os retrocessos que o PS queira impor”.

“O PCP não faltará com a sua disponibilidade, iniciativa, determinação e independência políticas”, garantiu Jerónimo de Sousa, nesta quarta-feira de manhã, na sede do PCP, onde fez uma declaração sobre a reunião de ontem do Comité Central – e onde receberá a delegação do PS a meio da tarde.

Recusando compromissos com o PS, isso significa que o PCP está disposto a ser oposição de novo? O secretário-geral comunista não responde directamente, mas vai avisando que nestes quatro anos se fez uma interpretação errada do que foram as posições políticas conjuntas que os partidos à esquerda assinaram. A prova que não houve um Governo de esquerda nem um “acordo” de governo ou parlamentar é que não havia compromisso para aprovação de orçamentos - apenas para o "exame comum”, e que em várias matérias o PS se encostou à direita para aprovar questões como as PPP, a Uber, o Banif e a lei laboral. “Então só havia acordo para um lado?”, questiona o líder comunista.

Sobre o encontro desta tarde com o PS, Jerónimo diz ser uma “reunião normal”, prevendo que António Costa “tranquilo, com certeza, sairá”. Mas este é um encontro que tem condições diferentes conforme o lado de que é visto, considera o comunista. “O PS sabe ao que vem”, aponta Jerónimo de Sousa. “O PS conhece, no essencial, as posições e propostas do PCP e da CDU, e nós ainda não conhecemos os conteúdos e perspectivas do PS...”

Acerca da eventualidade de o PCP ficar sozinho caso o PS e o Bloco cheguem a um acordo para a legislatura, Jerónimo recusa que esse cenário fragilize o PCP. Acrescenta que o partido esteve “sempre, sempre, de forma franca com o PS, e este não tem nenhuma ilusão em relação ao posicionamento do PCP. Sempre lidámos com franqueza e frontalidade; tivemos um papel decisivo na construção dos avanços – muitos deles com a marca do PCP.”

O líder comunista coloca ênfase nesta forma de relacionamento entre os dois partidos – foi também António Costa que realçou, nos últimos quatro anos, a coerência do PCP em muitas matérias. “Desde a primeira hora em que reunimos depois das eleições de 2015, que, independentemente do esforço que fizemos para viabilizar o Governo e vários orçamentos, o PS sempre soube que mantínhamos a nossa independência. Não há aqui nenhuma arca encoirada. O PS sabe ao que vem.”

Jerónimo de Sousa recusa que a posição do PCP de rejeitar qualquer acordo com o PS possa ser vista como um factor de instabilidade governativa. “Não há, à partida, qualquer problema de estabilidade para lá do que a acção do Governo tem que assegurar. A estabilidade de qualquer governo depende da correspondência entre a política que executa e as aspirações do povo. Se o Governo do PS fizer isso, terá estabilidade para governar”, apontou o secretário-geral comunista. E insistiu: “A estabilidade está nas mãos do Governo do PS.”

Pelo PCP, o caderno de encargos que se auto-impõe é conhecido e inclui todas as bandeiras que agitou na campanha: o aumento geral dos salários, com especial enfoque no salário mínimo para 850 euros, e das pensões e reformas; combate à precariedade e desregulação de horários de trabalho, assim como revogação das novas normas da lei laboral; criação de rede de creches gratuitas para todas as crianças até aos três anos; reforço do investimento no SNS, nos transportes públicos e nos restantes serviços públicos; alargamento dos apoios sociais. 

Resultado das eleições é “factor negativo” para o futuro do país

A avaliação que o Comité Central (CC) faz é que o resultado da CDU - 329.117 votos e 12 deputados -, “traduzindo numa redução da sua expressão eleitoral e do número de deputados eleitos (são menos cinco), constitui um factor negativo para o futuro próximo da vida do país”. Nem uma palavra sobre as consequências para o partido do fraco resultado eleitoral de domingo, o pior em legislativas de toda a história do PCP e da CDU, com uma percentagem de votos menor até do que a obtida em 2002. Nesse ano, os 6,94% permitiram a eleição de 12 deputados; desta vez, ainda sem os números dos dois círculos da emigração, está nos 6,46%. Se for substituído no cargo de secretário-geral do PCP no congresso do final do próximo ano, Jerónimo de Sousa deixará o partido com um grupo parlamentar do mesmo tamanho daquele que recebeu.

Mas há justificações para o desaire. Diz o CC que, tal como aconteceu nas europeias de Maio (em que a CDU perdeu um eurodeputado), resulta de uma “intensa e prolongada operação de que [a coligação de esquerda] foi alvo, sustentada na mentira, na difamação e na promoção de preconceitos, seja na manipulação de posicionamentos, seja na difusão de estereótipos, visando atribuir ao PCP e ao PEV concepções que o seu percurso, prática e projecto não autorizam”.

Uma argumentação que, pelo menos na questão do preconceito anticomunista, vai contra o que Jerónimo de Sousa até admitiu na campanha eleitoral: que o trabalho do PCP no âmbito da geringonça nestes quatro anos tinha ajudado a reduzir esse preconceito e até deu como exemplo o facto de a CDU ser bem recebida em territórios que lhe eram adversos, como Viseu.

E ficou também o aviso, em cujas entrelinhas se antevê o aumento da contestação sindical: “No actual contexto da situação do país, o Comité Central do PCP sublinha as grandes exigências que estão colocadas à acção do colectivo partidário e aponta a necessidade de uma forte iniciativa política nas várias frentes de intervenção e no reforço do partido.”

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