Médicos não estão a controlar os jovens que fumam cigarros electrónicos
Estudo publicado na JAMA Pediatrics confirma que há cada vez mais jovens que fumam cigarros electrónicos e que estes novos fumadores não estão a ser acompanhados por médicos nos EUA. Equipa responsável teme que jovens comecem a usar cigarros electrónicos porque são baratos e divertidos e que depois troquem para os cigarros comuns quando o cartucho de nicotina acabar — ou quando a moda passar.
Os médicos norte-americanos não estão a usar todas as ferramentas ao seu dispor para ajudar os jovens a deixar de fumar, uma vez que cerca de 95% dos adolescentes e jovens adultos diagnosticados com problemas associados ao uso de nicotina não recebem aconselhamento ou tratamento médico. Estas são as principais conclusões de um estudo publicado esta segunda-feira na JAMA Pediatrics, uma revista médica e académica publicada pela American Medical Association.
Numa altura em que se verifica um crescimento galopante do uso de cigarros electrónicos entre jovens dos Estados Unidos da América que ameaça reverter décadas de progresso na redução do uso de tabaco, o estudo constata que os profissionais médicos estão a falhar no acompanhamento a este tipo de pacientes — e não lhes disponibilizam todas as ferramentas existentes no sistema de saúde para atenuar o problema.
No estudo, foram analisados mais de 80 mil casos de adolescentes e jovens adultos diagnosticados com distúrbios relacionados com o uso de nicotina. Os dados disponibilizados pela Medicaid, um programa de saúde estatal, mostram apenas 4% receberam aconselhamento que os incentive a deixar de usar produtos de tabaco; apenas 1,2% receberam medicamentos receitados e apenas um em cada mil recebeu aconselhamento e tratamento, combinação que pode duplicar ou triplicar as suas hipóteses de deixar de fumar.
Segundo Nicholas Chadi, pediatra do Hospital Pediátrico de Boston, instituição que também divulga o estudo, existem tratamentos que já foram testados e que são eficazes em adultos e que, provavelmente, também funcionariam em jovens. “Não usar estes tratamentos é uma oportunidade perdida”, diz o pediatra que é também o autor principal do estudo.
Nos últimos meses, as autoridades de saúde norte-americanas identificaram 450 pessoas com doenças que podem estar ligadas ao uso de cigarros electrónicos em 33 estados dos EUA. Os cigarros electrónicos são sistemas electrónicos de fornecimento de nicotina, propilenoglicol e/ou glicerina e “aromas” (estão disponíveis mais de 8000 tipos), água, álcool e outras substâncias que são vaporizadas e inaladas para os pulmões, resume um artigo publicado recentemente na Acta Médica Portuguesa.
Numa breve explicação, os especialistas avisam que “os cigarros electrónicos de última geração são dispositivos muito potentes, capazes de fornecer nicotina em doses semelhantes, ou até superiores, às do cigarro convencional”. As concentrações de nicotina nos “e-líquidos” variam de três a 50 miligramas por mililitro, existindo também líquidos sem nicotina.
No comunicado em que divulga o estudo, o Hospital Pediátrico de Boston revela que estimativas apontam para que “20 a 30% de todos os fumadores desenvolvem distúrbios de saúde relacionados com o uso de nicotina e que, quando tentam desistir, são incapazes e começam a reportar sintomas de abstinência. Os efeitos do tabaco e da nicotina são bem conhecidos — mas, nos jovens, representam riscos adicionais uma vez que os seus cérebros estão ainda em desenvolvimento.
Há pelo menos 15 anos que a Academia Americana de Pediatria (AAP) emite directrizes periódicas sobre o uso de produtos de tabaco em crianças, pedindo aos pediatras que perguntem aos seus pacientes se eles ou alguém da sua família utilizam cigarros electrónicos. A APP instrui os pediatras para que informem os seus pacientes sobre os perigos dos produtos que contêm tabaco e incentivam-nos a parar. Para quem apresenta quadros mais complicados, os pediatras devem prescrever medicamentos que os ajudem a controlar a vontade de recorrer a estes dispositivos.
Entre as opções médicas estão a terapia de reposição de nicotina (são administradas doses graduais de nicotina através de um adesivo na pele ou gengiva) e outros dois medicamentos, a Bupropiona e a Vareniclina.
O que a equipa de Nicholas Chadi descobriu, através do acesso à base de dados de cerca de 3,5 milhões de pacientes do Medicaid, com idades entre os dez e os 22 anos e residentes em 11 estados norte-americanos, é que a grande parte não está a receber este tipo de acompanhamento. “Durante 18 meses, entre 2014 e 2015, 3,8% dos pacientes foram diagnosticados com transtornos relacionados com uso de nicotina. À excepção de um grupo que teve acompanhamento seis meses depois do diagnóstico, 95% dos restantes não receberam tratamento ou aconselhamento relacionado com a patologia”, lê-se no comunicado.
Um problema em crescimento
Com a publicação do artigo, a equipa espera que as novas informações ajudem a persuadir os médicos — pediatras, enfermeiros ou profissionais de saúde das instituições de ensino — a aproveitar as ferramentas à sua disposição para ajudar os seus pacientes, especialmente com o aumento das suspeitas de alguma relação entre a prática do uso de cigarros electrónicos e os casos clínicos registados.
“Temos aqui uma tremenda oportunidade de intervir e ajudar a prevenir as futuras gerações de terem que lidar com as consequências a longo prazo deste tipo de transtornos”, refere Scott Hadland, autor sénior do relatório e especialista em dependência no Centro para a Adição de Grayken do Centro Médico de Boston. “Temos ferramentas que sabemos que são eficazes para ajudar a reduzir o vício da nicotina e precisamos de começar a pôr estas ferramentas nas mãos adequadas”.
Ainda segundo o comunicado, o tabagismo entre adolescentes diminuiu quase cinco vezes desde 1964, altura em que um relatório que alertava para os riscos para a saúde deste hábito foi amplamente divulgado. No entanto, na última década, a crescente popularidade dos cigarros electrónicos fez aumentar o uso de tabaco pelos jovens nos Estados Unidos. O uso de cigarros electrónicos entre estudantes do ensino secundário aumentou quase 80% (entre 2017 a 2018) com o aparecimento de novos dispositivos que aliciam os jovens com sabores a doces e frutas e campanhas de marketing voltadas para os mais novos.
No Canadá, denuncia o estudo, um aumento semelhante do uso de cigarros electrónicos foi acompanhado por um aumento no uso de cigarros tradicionais. O receio da equipa responsável pelo relatório é que o mesmo aconteça nos EUA — que os estudantes comecem a usar cigarros electrónicos porque são baratos, divertidos e porque estão disponíveis para compra em vários estabelecimentos, acabando depois por trocar para os cigarros comuns quando o cartucho de nicotina acabar ou quando a moda passar.